21 de novembro de 2024
SAÚDE

Extinção de espécies aumenta em escala sem precedentes


As taxas de extinção de espécies animais e vegetais estão aumentando em uma escala sem precedentes. A abundância média de espécies nativas na maioria dos principais hábitats terrestres caiu em, pelo menos, 20%, principalmente desde 1900. Mais de 40% das espécies de anfíbios, quase 33% dos corais e mais de um terço de todos os mamíferos estão ameaçados.
Essa perda é resultado direto da atividade humana e constitui uma grave ameaça ao bem-estar humano em todas as regiões do mundo, alerta um grupo de cientistas de 50 países, incluindo do Brasil. Eles são autores da primeira avaliação global do estado da natureza da Plataforma Intergovernamental sobre Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos (IPBES, na sigla em inglês).
O sumário para os formuladores de políticas do relatório foi lançado nesta segunda-feira (06/05), em Paris, após ter sido aprovado por 132 países durante a sétima sessão plenária do órgão, chamado de “IPCC para a biodiversidade”, que aconteceu na semana passada na capital francesa.
“A saúde dos ecossistemas de que toda a humanidade e as espécies dependem está se deteriorando mais rapidamente do que nunca. Estamos erodindo os próprios alicerces de nossas economias, meios de subsistência, segurança alimentar, saúde e qualidade de vida em todo o mundo”, disse Robert Watson, presidente da IPBES.
Elaborado ao longo dos últimos três anos por 145 especialistas, com contribuições de outros 310 autores, o relatório avaliou mudanças na biodiversidade e nos serviços ecossistêmicos – como o fornecimento de alimentos e de água – durante as últimas cinco décadas. Para isso, foi feita uma revisão sistemática de cerca de 15 mil fontes científicas, governamentais e de conhecimento indígena e de comunidades tradicionais.
“Esse é primeiro relatório intergovernamental que foca não só a biodiversidade, mas também suas interações com trajetórias de desenvolvimento econômico e com fatores que afetam a natureza, como as mudanças climáticas”, disse Eduardo Sonnewend Brondizio, professor da Indiana University, dos Estados Unidos, à Agência FAPESP.
“Nunca tantos dados, de diferentes áreas, como das ciências naturais e sociais, foram reunidos para fazer uma avaliação detalhada da condição do ambiente em escala global e em uma perspectiva integrada de interação com a sociedade”, disse Brondizio.
Radicado há mais de 20 anos nos Estados Unidos, o cientista brasileiro, que foi um dos três copresidentes do relatório, é um dos pesquisadores responsáveis por um projeto apoiado pela FAPESP em parceria com o Belmont Forum – um consórcio das principais agências financiadoras de projetos de pesquisa sobre mudanças ambientais no mundo.
Os outros brasileiros autores do relatório são Ana Paula Aguiar, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe); Bernardo Baeta Neves Strassburg, do Instituto Internacional de Sustentabilidade (ISS); Cristina Adams, da Universidade de São Paulo (USP); Gabriel Henrique Lui, do Ministério do Meio Ambiente; Maria Manuela Ligeti Carneiro da Cunha, da USP; Pedro Henrique Santin Brancalion, também da USP; e Rafael Dias Loyola, da Universidade Federal de Goiás (UFG).
“A contribuição dos autores brasileiros foi excepcional porque todos eles conseguiram trazer uma perspectiva social e ecológica integrada para o relatório. Eles colocaram suas respectivas especialidades, como ecologia, políticas públicas e cenários ambientais, em um contexto interdisciplinar”, disse Brondizio.
Rede mais desgastada
O relatório aponta que ecossistemas, espécies, populações selvagens, variedades locais de plantas e de animais domesticados estão encolhendo, deteriorando ou desaparecendo. Dessa forma, a rede essencial e interconectada da vida na Terra está ficando menor e cada vez mais desgastada.
Pelo menos 680 espécies de vertebrados foram levadas à extinção desde o século 16 e mais de 9% de todas as raças domesticadas de mamíferos usados para alimentação e agricultura foram extintas até 2016. Além disso, estima-se que 1 milhão de espécies animais e vegetais estão agora ameaçadas de extinção.
Entre os fatores responsáveis por esse declínio de espécies estão, em ordem decrescente, as mudanças no uso da terra e do mar, a exploração direta de organismos, as mudanças climáticas, a poluição e espécies tóxicas invasoras.
Desde 1980, as emissões de gases do efeito estufa dobraram, elevando a temperatura média global em pelo menos 0,7 ºC. O aquecimento global já tem afetado a natureza, do ecossistema à genética das espécies, e os impactos devem aumentar nas próximas décadas, em alguns casos, superando o impacto da mudança do uso da terra e do mar e outros fatores, apontam os autores.
“O sumário mostra que a situação da biodiversidade e dos serviços ecossistêmicos, essenciais para a qualidade de vida, é ainda mais crítica do que a do aquecimento global”, disse Carlos Joly, professor da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e coordenador do programa BIOTA-FAPESP.
Joly coordenou o Painel Multidisciplinar de Especialistas da IPBES nos seus primeiros anos de existência, ao lado do australiano Mark Londsdeale, da Organização de Pesquisa Científica e Industrial da Commonwealth (CSIRO), e é membro da coordenação da Plataforma Brasileira de Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos (BPBES, na sigla em inglês), cuja criação foi inspirada na IPBES.
O relatório também destaca que três quartos do meio ambiente terrestre e 66% do ambiente marinho foram significativamente alterados pelas ações humanas. Em média, essas tendências foram menos severas ou evitadas em áreas mantidas ou geridas por povos indígenas e comunidades locais.
Mais de um terço da superfície terrestre do mundo e quase 75% dos recursos de água doce são agora dedicados à produção agrícola ou pecuária. O valor da produção agrícola aumentou em cerca de 300% desde 1970, a extração de madeira aumentou em 45% e aproximadamente 60 bilhões de toneladas de recursos renováveis e não renováveis são extraídos globalmente a cada ano – número que quase duplicou desde 1980.
A degradação da terra, contudo, reduziu a produtividade de 23% da superfície terrestre global. Até US$ 577 bilhões em safras globais anuais estão em risco de perda de polinizadores e entre 100 e 300 milhões de pessoas estão em risco aumentado de inundações e furacões devido à perda de hábitats costeiros e proteção, ressaltam os autores do relatório.
A poluição plástica cresceu 10 vezes desde 1980 e entre 300 e 400 milhões de toneladas de metais pesados, solventes, lama tóxica e outros resíduos de instalações industriais são despejados anualmente nas águas do mundo.
Os fertilizantes usados na agricultura e que entram nos ecossistemas costeiros produziram mais de 400 “zonas mortas” oceânicas, totalizando mais de 245 mil quilômetros quadrados (km2) – uma área combinada maior que a do Reino Unido, calcularam os pesquisadores.
“O relatório mostra que as populações mais ricas ou privilegiadas se acostumaram a ignorar os problemas ambientais porque não convivem com os impactos no dia a dia. São as populações mais pobres ou menos privilegiadas que estão sofrendo o impacto desse padrão de vida, na forma de poluição, desmatamento e atividades de mineração em lugares longe dos olhos do resto do mundo”, disse Brondizio.
Segundo os pesquisadores, as tendências negativas na natureza continuarão até 2050 e, além desse período, persistem em todos os cenários de política explorados no relatório, exceto aqueles que incluem mudanças transformadoras – devido aos impactos projetados de mudanças crescentes no uso da terra, exploração de organismos e mudança climática, embora com diferenças significativas entre regiões.
Apesar do progresso nas políticas de preservação, os autores consideram que as metas globais para conservar e usar a natureza de forma sustentável e para alcançar a sustentabilidade não podem ser alcançadas nas trajetórias atuais. As metas até 2030 e para além desse período podem ser alcançadas apenas por meio de mudanças transformadoras e de fatores políticos e tecnológicos, ponderam.
Uma das ações indicadas é a adoção de abordagens integradas e intersetoriais de gestão que levem em conta as compensações da produção de alimentos e energia, infraestrutura, manejo de água doce e costeira e conservação da biodiversidade.
“Ainda não chegamos a um ponto de irreversibilidade na perda de biodiversidade e a consequente degradação dos serviços ecossistêmicos essenciais para a qualidade de vida. Se tomarmos decisões agora, para, em conjunto e de forma coordenada e cooperativa, promovermos mudanças transformativas integradas, inclusivas e baseadas no melhor conhecimento científico disponível, é possível reverter a velocidade da degradação”, disse Joly.
“Isso passa, obrigatoriamente, por conseguir cumprir as metas do Acordo de Paris, pois o aquecimento global já é um dos principais impulsionadores da perda de biodiversidade e degradação dos serviços ecossistêmicos”, ressaltou.
Os autores também identificam como um elemento-chave de políticas futuras mais sustentáveis a evolução dos sistemas financeiros e econômicos globais, visando a construção de uma economia global sustentável, afastando-se do atual paradigma limitado de crescimento econômico.
“O relatório mostra que é preciso mudar a narrativa de que o desenvolvimento econômico é um fim em si mesmo e que todos os custos para alcançá-lo, como a degradação ambiental e a desigualdade social, são inevitáveis e justificáveis”, disse Brondizio.      – Agência Fapesp