27 de julho de 2024
Memória

A história do fundador da “Folha de Londrina”, João Milanez

O início de Londrina está resumido neste depoimento de João Milanez. Ele foi o fundador do jornal Folha de Londrina. E participou como entrevistado do projeto “Memória Paranaense” original, da Rádio CBN Curitiba e Inepar, no ano de 1997. Milanez também fundou emissoras de rádio e televisão no Paraná, tornando-se um dos grandes nomes da comunicação do estado. Fez fama no Brasil, sendo conhecido por seu jeito alegre e irreverente, sempre contando histórias engraçadas.  Milanez morreu em 2009 aos 85 anos. 

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José Wille – O senhor nasceu em 1923, em Santa Catarina. Seus pais eram lavradores?

João Milanez – Sim, sou filho de italianos. Papai já nasceu no Brasil, eu sou a terceira geração. E moramos ao lado de Criciúma, Meleiro. Eu fui lavrador e, com seis anos, já trabalhava na roça. Desde os seis anos, modéstia à parte, eu já era lutador. Porque o cidadão que trabalha no campo começa puxando boi na carpideira; depois, quer pegar no arado, porque ele quer progredir. Então, eu fazia isso e, desta forma, comecei a minha vida.

José Wille – E até os dezessete anos o senhor ficou na lavoura nessa cidade?

João Milanez – Fiquei. Depois, fui trabalhar na nossa própria serraria – fui carpinteiro e marceneiro também. É outro progresso meu. Quando não quis ficar mais na lavoura, já peguei outra profissão. Aí, eu ia seguir carreira militar…

José Wille – O senhor foi para o Exército?

João Milanez – Para o Exército. Morri em Ponta Grossa, dois dias fiquei morto… É bonito morrer… Não sente nada, olha o mundo, olha os amigos, vê, mas não fala… Uma coisa impressionante! Quer dizer, quando o cidadão vê alguém em estado de coma, não se deve ficar com pena, porque ele não está sentindo nada, nada, nada… É uma beleza! Mas a minha vida, a base mesmo, a estrutura, talvez eu tivesse conseguido na roça. Eu digo que as minhas emoções, gastei-as no cabo da enxada, suando, passando rio a nado, matando cobra, levando revólver, espingarda… O lavrador é um pós-graduado, um PhD: vê tudo o que está à frente dele, derruba mato, tem que saber onde cai a árvore, para o lado que cai, fazer andaime para pegar a figueira por onde tem o lado menor. Então, a minha vida começou assim.

José Wille – Depois deste susto, quando o senhor quase morreu no quartel em Ponta Grossa, o que aconteceu?

João Milanez – Desisti do Exército, porque fui julgado incapaz em tempo de paz.  Inclusive, quando fui para o Exército, fiz até um baile  “O Milanez vai à guerra”. E eu dizia “Vou à guerra! O negócio é guerrear mesmo!”. Sempre tive vontade, não de guerrear ou matar alguém, mas de enfrentar as dificuldades. Depois disso, voltei, mas não para a minha casa, porque eu sou desses que, quando sai de um lugar, não volta mais.

José Wille – O senhor perdeu a mãe cedo.

João Milanez – Perdi a mãe com seis anos de idade  eu estava ao lado dela. Aí, fui para Criciúma, para gerenciar a mina de carvão do meu irmão Pedro. Não deu certo, pois todas as minas tiveram problema depois da guerra. Então, fui para São Paulo, com aquele progresso terrível, em 1947.

José Wille – O que o senhor pretendia fazer em São Paulo?

João Milanez – Eu ia trabalhar na construção civil, pois era um bom carpinteiro, um bom marceneiro, e tinha emprego sobrando lá. Na pensão em que eu estava em São Paulo, um hotelzinho, um cidadão de Londrina me disse “Vamos para Londrina vender título de capitalização”. E já me nomeou semi-inspetor, me deu até um pequeno adiantamento. Peguei o trem e fui embora com ele.

José Wille – O senhor sempre foi uma pessoa de muita  atividade na juventude? Jogava futebol…

João Milanez – Ah, sim! Eu jogava futebol e também fui jóquei. Eu sempre fui assim, uma vida inteira de conquistas. Eu achava que tinha que ser o melhor jóquei, o melhor jogador de futebol… Na minha vida, eu lutei para fazer sempre o melhor. Meu negócio é “Nunca faço pela metade”. Graças a Deus, tudo que não é bom para mim, que não é bom para o ser humano, eu não faço. Tenho até meus chamados Dez Mandamentos: um deles é que eu não fumo e não jogo. Só jogo um tal de bridge, que leva seis anos para aprender e tem poucos parceiros. Já joguei bridge em vários países do mundo. É um jogo matemático, um jogo difícil. Sempre digo: uma das minhas coisas é não beber, não jogar, não fumar, acompanhar todos os partidos, mas não pertencer a nenhum deles, porque não adianta, você não pode se entregar. Outra das coisas que eu sempre uso – “Eu me integro, só que não me entrego”.  Alguém diz “Ah, sou amigo do Milanez!” e me pede uma coisa que não é normal, então eu digo “Não, isso eu não faço!” – “Mas você é meu amigo…” – “Sou, desde que a coisa seja correta. Com isso, não tenho problema nenhum”.

José Wille – Então esse espírito de dedicação e ambição por progredir no trabalho vêm desde jovem.

João Milanez – Desde que me sinto por gente, eu sempre almejei coisa melhor. Sempre! Eu atirava – e também era um bom atirador; eu caçava – e me considerava um bom caçador. E talvez seja um pouco de família, porque – não é porque eu seja descendente de italiano – o italiano sempre foi muito agressivo. Pode ser por causa das montanhas da Itália. Dos italianos que vieram para o Brasil, 90% deles venceram. Vieram com uma garra muito grande, uma garra de trabalho. E eu sempre tive isso na vida. Não é nem uma vaidade nem um elogio em causa própria, mas era um instinto meu, que, graças a Deus, tenho até hoje. Nunca fiz uma coisa por fazer – ou faz bem feito ou não faz. Sempre digo, quando vai gente na “Folha” todo dia pedir emprego, “O que você sabe fazer?” – “Ah, eu sei fazer isso” – “Então, faça só isso, lute para isso, não mude de profissão! Sempre achei que tem que fazer uma coisa só mais ou menos bem-feito, pois não é tão fácil fazer bem-feito.

José Wille – Aos vinte anos, o senhor foi para São Paulo pensando em ser marceneiro, mas acabou em Londrina. Que impressão o senhor teve da cidade?

João Milanez – Londrina tinha 17 mil habitantes e só tinha poeira. E eu tinha terno e sapato branco. Um dia, usei o terno branco e ficou todo vermelho. Eu até brincava que, em Londrina, o bom era levar uma camisa branca na pasta e trocá-la a cada quarteirão, porque chegava com a roupa empoeirada. Então, quando eu cheguei a Londrina, foi um choque muito grande, mas eu tinha esse princípio de nunca voltar – “Se entregar, jamais”, como diz aquele filme de kung-fu. Então, disse “Vou me integrar aqui”. Comecei a vender título de capitalização e, como tinha muito japonês, aprendi como se chamava título de capitalização em japonês e comecei a vendê-los para todo mundo.

José Wille – O descendente de japonês é bastante desconfiado, não é de muita conversa. Como o senhor conseguia vender para eles?

João Milanez – Ah, em pouco tempo, encontrei a filosofia. Eu chegava, oferecia e, quando ele dizia que não, eu não perdia nem um minuto mais – só me apresentava, dava meu nome e voltava outro dia. Até ele amadurecer. Na segunda ou terceira vez, ele concordava. Eu vendi para todas as raças. Havia 44 nacionalidades em Londrina! Eu chegava, batia na porta e entrava. Antigamente, não se telefonava para ir à casa de alguém. Então, eu vendi para professora, para diretora de colégio, pois era um negócio bom. Não tinha poupança naquela época, um grande erro do Brasil, que ficou muitos anos atrasado por isso. E muita gente aplicou o dinheiro em outras coisas e perdeu muito dinheiro desta forma.

José Wille – Como era a rotina em Londrina, com tanta gente chegando – paulistas, mineiros, pessoas de todas as partes?

João Milanez – Sim, tinha gente de tudo quanto é canto e lá se misturavam. No bar Líder, por exemplo, nós éramos todos iguais. Você olhava para um e achava que ele era corretor, o outro podia ser lavrador, o outro podia ser médico, o outro podia ser advogado… Você não os distinguia no estilo nem na roupa. Era tudo igual! No bar, cabiam duzentas e tantas pessoas e, toda sexta-feira à noite, o tio João, dono do bar, dava uma sopa para todo mundo de graça. Era a homenagem que ele fazia aos londrinenses. E lá nos misturávamos com advogado, com médico, engenheiro, prefeito, vereador… É lógico que, aos poucos, as pessoas iam se conhecendo. Você chegava lá, cumprimentava, dava o nome, ótimo! No dia seguinte, você já estava almoçando ou jantando com o indivíduo, sem saber o que ele era.

José Wille – A riqueza se fazia rapidamente com o café?

João Milanez – Ah, a riqueza era corrente, não tenha dúvida! Tivemos 1 bilhão e seiscentos milhões em pé de café. Houve um ano quando se produziram 25 milhões de sacas de café limpo e 75 milhões de café em coco. Hoje, produzimos 1 milhão e pouco e é uma fortuna! Sabe o que são 25 milhões de sacas de café limpo? Havia armazéns em Rolândia, nos quais você andava dez minutos de carro para atravessá-los. Foi uma coisa espetacular! A gente fazia negócio na hora de 1 milhão, 2 milhões de dólares. Também corria muito cheque-papagaio. Era muita gente que queria vencer na vida migrando para lá, não só do Brasil como fora do Brasil. Foi o Eldorado do Brasil! Toda a fama do Brasil estava lá. Tinha gente na estação rodoviária de São Paulo com uma placa que dizia “Londrina! Vá para Londrina!”. A Companhia de Melhoramentos, que era a Parana Plantations, veio com a tradição da Escócia, percorreu o mundo para fazer nova colonização e escolheu o Norte do Paraná, onde estão as melhores terras do mundo. Só existem iguais na Ucrânia.

José Wille – A forma como foi essa colonização, a venda facilitada das terras para os colonos que chegavam, o senhor acha que foi uma boa escolha? Foi isso que motivou o crescimento rápido?

João Milanez – Nem há dúvida! A Companhia de Melhoramentos vendeu 56 mil propriedades e não rescindiu um só contrato, porque vendiam e, com a própria produção, o cidadão pagava. Eram só oito alqueires para cada um colonizar. Imagine que 53% dos compradores de terra do Norte do Paraná eram ex-colonos de São Paulo. Eles foram para lá para progredir, para trabalhar, não foram para especular. A área da Companhia de Melhoramentos abrangia 46 cidades, em um raio de 300 km – quer dizer, a cada 15 km tinha uma cidade. E o que fazia a Companhia de Melhoramentos? Ela abria uma cidade, fazia estrada, a Garcia levava os ônibus, tinha lugar para igreja, para delegacia, para escola, tudo certinho, tudo bonitinho. Ao terminar aquela cidade, fazia-se nova cidade. Primeiro, foi Cambé; depois, Rolândia; depois, Arapongas; todas próximas uma da outra, mas todas com estrutura. Tinha estrada, tinha tudo e lá a pessoa podia já começar a se implantar e produzir.

José Wille – Na colonização, também teve uma fase a seguir, no governo Lupion, quando houve muita briga, com a presença de grileiros.

João Milanez – Quando o Lupion assumiu o governo, foi até Mandaguari a convite da Companhia de Melhoramentos e, ao lhe explicarem como era feita a concessão, ele ficou entusiasmado para entregar o resto das terras. E não tenha dúvida que, se ele tivesse entregado o resto das terras, o Paraná hoje estaria com o dobro de riquezas. Mas os amigos dele disseram “Não! Com essas terras, você vai ser presidente da República. Você tem quase a metade do Paraná! Isso é uma riqueza poderosa!”. Aí, entraram as coligações malfeitas e houve as entregas de terras para grupos, inclusive para amigos, como o Adhemar de Barros. Aí, começou a haver grilo, morte naquela região de Porecatu. Foi uma coisa terrível! Quando o Bento Munhoz da Rocha Netto assumiu o governo, a primeira coisa que quis fazer foi criar o Departamento de Terras, e lutou muito para sua criação. O Lupion, se tivesse feito aquilo, teria se consagrado, mas não fez por causa dos amigos dele, os políticos. E muitas terras ainda tinham que ser legalizadas pelo governo federal, porque só o Senado poderia legalizar mais de 5 milhões de alqueires. E até hoje tem litígio.

José Wille – Havia quem vendia para várias pessoas uma única terra?

João Milanez – A mesma terra! E o governo do estado também entregava terra que não era dele. Também tinha isso. Não era o Lupion, era o governo do estado, porque não tinha sido ainda liberada pelo governo federal. Então, a confusão foi muito grande. O que tinha de gente vendendo no Norte do Paraná foi uma coisa de louco! Um cidadão com curso superior chegou de São Paulo, dizendo “Aqui eu faço a minha vida, eu faço a vitória!”. E tacaram para ele três, quatro terrenos que não existiam e mais não sei o quê. Ele ficou louco da vida, foi a uma empresa e mandou pintar uma placa na entrada da cidade, que dizia “Iguais a você, aqui existem 10 mil!”, de bravo que ele estava. Então, se fosse malandro, eram 10 mil malandros; se fosse médico, eram 10 mil médicos. Ficou louco da vida e foi embora. Então, quem sabia menos era foguete do Sputnik.

José Wille – O senhor andou por todo o Norte do Paraná na década de 40. Só jipe e caminhão circulavam por ali. Como eram essas estradas, nas cidades que estavam sendo abertas?

João Milanez – Em Umuarama, por exemplo, nós descemos de avião, com a Companhia de Melhoramentos, que me convidava sempre  sempre tive muita sorte. Ali, foi criado o município e eu fui visitar as suas instalações. Depois, foi criada a comarca e eu fui ver as instalações da comarca. E também para receber o título de cidadão honorário. Tenho mais de 50 títulos de cidadão honorário! Então, eu percorria passo a passo. Quer dizer: abria picada, eu estava junto, em qualquer região. São 50 anos, quase 51. Londrina tem 60 e poucos anos e tinha 17 mil habitantes. Cascavel, Pato Branco, em toda aquela região, eu também participei. Toda aquela área. E o jornal começou a circular naquela área ali. Andava de corrente no pneu dos carros, pois fazíamos 25 km e havia 27 carros para entregar o jornal. Fazia 6 a 9 mil quilômetros por dia, como daqui a Nova York.

José Wille – O senhor não era da área. Como surgiu a ideia do jornal?

João Milanez – Achei que podia entrar no jornalismo, porque eu via os jornais no Brasil, embora não tivesse grande capacidade para analisá-los. Mas, como homem já meio treinado que era, pois já tinha passado por muita coisa, eu achava que os jornais, não só em Londrina, mas no Brasil, eram feitos para grupos. Tanto é que o jornalismo no Brasil não tem mais de 20 e poucos anos. Antes, jornais, como o “Estadão”, eram contra o Maluf, contra o Abdala… O Chateaubriand era contra o Matarazzo. Não era um jornal para o público e eu achava que o jornal devia ser para todos. Porque, em Londrina, fundaram-se 30 e poucos jornais. Não vingaram, porque faziam jornal mais para eles, para o ego deles. Faziam para o grupo político, para o grupo econômico e não faziam jornal para o público. E o público não é burro, como digo em um dos meus mandamentos: “O público sabe analisar muito bem.” Tanto é que vou intercalar no jornal, nessas próximas eleições, uma varredura. É bom que haja reeleição para prefeito. Acho que será errado se o Congresso Nacional revogar isso. O que não for bom ao completar esses quatro anos vai desaparecer no próximo governo. O próximo presidente da República, os próximos deputados  o que não for bom não vai ficar. Então, voltando à história de Londrina, o jornal era feito para grupos e eu achava que o jornal devia ser feito até para criança, para o adulto de 15 anos, 20 anos, 25, 30, 60, 70… Foi esse o segredo. Quer dizer, não é segredo. Era um jornal para todos.

José Wille – Foi outra pessoa que o convidou a participar do projeto de um jornal?

João Milanez – Ah, sim. O Correia Neto, é lógico! O Correia Neto veio a Londrina, dizendo que faria um jornal para defender o governo do Dutra e não sei o quê. E procurou outras pessoas para participar do jornal. Mas, por razões diversas, não participaram. Ele insistiu, insistiu, até que concordei em entrar no negócio. Começamos a fazer o jornal semanal para imprimir no “Paraná Jornal”, que era de lá e era diário.

José Wille – Imprimiam o jornal no concorrente?

João Milanez – No concorrente! Fazia e imprimia, até que o concorrente não quis mais imprimi-lo. Aí, fui a São Paulo comprar uns tipos. Acabei fazendo o jornal a mão e o imprimia…

José Wille – O senhor não tinha dinheiro para comprar os tipos?

João Milanez – Não tinha dinheiro, mas me venderam assim mesmo. Na época, era tão fácil! Eles nem sabiam quem eu era nem nada. Disse “Vamos fazer um jornal em Londrina e preciso de uns tipos”. E os comprei. Venderam os tipos fiado para mim e, quando venceu o prazo, dei o dinheiro para o Correia Neto, pois eu não tinha banco, não tinha nada  meu dinheiro era na carteira. Mas ele não pagou, dei uma bronca nele e disse “Então, vamos acabar com esse negócio de jornal, porque você não serve para ser meu sócio!” –“Então, você compra a minha parte.” – “Que parte? Não tem parte nenhuma!”. Não tinha nada mesmo. Eu tinha uma caneta Sheaffer – dei para ele e disse “Está pago!”. E ele foi embora.

José Wille – Era apenas uma publicação semanal, não exatamente um jornal ainda?

João Milanez – Não, não tinha nada. A única propriedade eram os tipos, mas não tinham sido pagos. Não tinha nada. A máquina de escrever nem era nossa, era emprestada!

José Wille – Mas o senhor resolveu levar adiante a ideia?

João Milanez – Pelo fato de ter vindo de Santa Catarina, eu achava que não devia fracassar, porque os italianos de lá, antigamente, se fizessem um negócio e, dali a pouco, não o fizessem mais, eram considerados mortos. Então, pensei “Tenho que levar avante essa história!”. Outros amigos meus participaram, para não me deixar sozinho. E eu continuei sozinho toda vida. Depois, transformei o jornal em diário, com dificuldades. Houve 200 dificuldades.

José Wille – Como o senhor era um bom vendedor, o passo principal foi vender a assinatura, porque capitalizaria o jornal?

João Milanez – Sem dúvida nenhuma! Primeiro, tem que fazer isso, pois, se você não tiver gente que leia o jornal, não pode vender anúncio. Fiquei um ano inteiro entre Santo Antônio da Platina, Paranavaí, Porecatu, e vendi 4.700 assinaturas. Sabe o que é isso? Naquela época, o “Estadão” tinha 20 mil assinantes. E eu mandava o jornal direitinho, primeiro pelo correio. Esta foi a grande base, porque eu não precisava de muito dinheiro para fazer o jornal. Eu pagava, por exemplo, 200 reais adiantados para o advogado Moacir Arcoverde escrever 4 páginas, e eu ditava o jornal para ele. Aí, eu também ganhava, pois aumentavam-se as páginas.

José Wille – O senhor era tudo, então? Era o repórter, o produtor e o diretor do jornal?

João Milanez – Tudo! Era o diretor, o entregador… Sem demagogia, mas, se algum assinante reclamava que não tinha recebido o jornal, eu corria e mandava entregá-lo ou eu mesmo o entregava.

José Wille – Como o senhor convencia um morador de uma cidade distante de que o jornal existia, de que ele iria recebê-lo, que valia a pena fazer a assinatura?

João Milanez – Eu convencia, porque, primeiro, ia com uma pessoa de credibilidade na cidade. Às vezes, até o prefeito me acompanhava. Chegava à prefeitura e dizia “Estou fazendo um jornal municipalista. É um jornal para defender os interesses do Norte do Paraná, pois precisamos ter uma voz para todos”. E o prefeito, às vezes, saía comigo. Cheguei a fazer, às vezes, 40 assinaturas no dia! Eram 100 reais cada assinatura  nem sei quanto é que era naquela época. Mas era assim: eu fazia 40 por dia, às vezes. Chamávamos de pente-fino: chegava e apresentava.

José Wille – O nascimento do jornal foi em 1948?

João Milanez – 13 de novembro de 1948.

José Wille – Quanto tempo levou para se consolidar, para o senhor achar que iria dar certo?

João Milanez – Eu sempre tive muita fé. Mas dias de incerteza havia muitos, porque não tinha estrada. Às vezes, a rotativa estava pronta, com as telhas, e o papel estava entre Uraí e Jataizinho, no barro preto, atolado, e nós tínhamos de ir de jipe até lá. Porque, no Norte do Paraná, tinha que ter jipe, avião e frequentar a zona de meretrício, que eram três religiões. Eu ia de jipe até lá, tirava o encerado da coisa, carregava as bobinas e botava na máquina, isso às 8 horas da manhã, enquanto a garotada brigava, os entregadores xingavam, e eu apaziguando todo mundo. Uma vez, dormi na redação, porque tinha medo que o pessoal saísse do jornal. Dizíamos que a “Folha de Londrina” era um milagre que se renovava todos os dias. Era um milagre!

José Wille – No começo, apenas três pessoas trabalhavam no jornal?

João Milanez – Três pessoas trabalhavam na “Folha”, somente.

José Wille – O senhor fazia também uma espécie de pesquisa de opinião, quando ia até as cidades e ouvia o que eles queriam do jornal?

João Milanez – Sem dúvida! Eu fazia pesquisa e nunca contestava, só ouvia. Porque a coisa bonita é você ouvir. E reportava aquilo que realmente as pessoas achavam que era bom. Isso eu faço, modéstia à parte, até hoje. Eu brigo muito na redação – e o jornalista sabe disso  não importa quem diz, importa o que ele diz. Tenho outra tese: “Não importa onde você faz, importa o que você faz”, pois fazíamos o jornal na calçada quando a noite era quente  botávamos as máquinas na calçada, na rua… Esse negócio de conforto, que tem que ter ar-condicionado, isso é tudo papo-furado para gente que não quer trabalhar.

José Wile – Falando em conforto, quanto tempo levou para começar a haver retorno desse trabalho?

João Milanez – Ah, aos pouquinhos! Sempre teve um pouquinho de retorno. Mas só que o retorno era para colocar no jornal. O jornal tinha 8 carros e eu não tinha nenhum meu, particular. Usava quando sobrava. Lá, se dizia uma coisa: “No Brasil, o dono do jornal é rico e a empresa é pobre”. Inverti os papéis: o jornal era rico e eu era pobre. Só depois de um tempo é que eu tive um carro particular, que foi um Volkswagen.

José Wille – A presença do jornal falando de política, tratando das coisas da cidade  veio logo no início?

João Milanez – Ah, todo dia, em tudo que acontecia na cidade, eu sempre estava presente. Até o Aristides Souza Mendes ficava admirado  “Milanez, não vejo você escrever nada e, no dia seguinte (às vezes, eram 5, 6 horas), sai tudo que aconteceu aqui. Como você fez?”  “Eu gravei, pois tenho um gravador na cabeça”. É o que faço até hoje. Tem dias que eu vou a até 7 reuniões. Há pouco tempo, assisti, das 3 horas da tarde até as 10 da noite, a 18 discursos: senador, prefeito, governador, vice-prefeito, deputado federal, deputado estadual, diretor de hospital, médico… Sabe o que são 18 discursos? E eu quietinho lá, porque sou um bom ouvinte. Para você aprender, tem que ouvir. Quando você vai à escola, tem que ser bom ouvinte. E a “Folha de Londrina” sempre retratou as causas e as coisas da região.

José Wille – O senhor sempre foi muito de conversar e se dava bem com as pessoas. Esse trabalho de relações públicas – o senhor até era chamado de embaixador do jornal e de sua cidade – ajudou o jornal a se consolidar?

João Milanez – Mas nem tenha dúvidas! Eu era conhecido mais, às vezes, que o jornal. Pois é muito fácil um jornal de uma capital ir para o interior. O duro é o jornal do interior vir para a capital e ser conhecido. Eu conheço Londrina a centímetro, o Paraná a palmo, o Brasil a metro e o mundo a quilômetro. Não é esnobismo. Eu fui à Amazônia e, duas horas depois de ter chegado lá, já sabiam da minha presença. Por quê? Porque eu percorria o Brasil inteirinho! Uma vez, saí de Londrina com o Horácio Coimbra para irmos a São Paulo comemorar os 50 anos de Sociedade Rural Brasileira. Aí, São Paulo fechou. Sabe onde fui bater? Em Salvador, na Bahia, e fui jantar lá com o governador! No dia seguinte, fui para Alagoas e recebi o título de cidadão honorário do presidente do IBC. Quer dizer, saí de Londrina e, no dia seguinte, já estava em Alagoas.

José Wille – O assédio para obter um espaço no jornal, do político para ter a sua projeção – como o senhor tratava esses casos?

João Milanez – Eu corria atrás deles. Tem até uma história interessante: passou o deputado Rui Cunha na rua e eu gritei “Para, para, que eu quero notícia!” – pois era um cidadão de Curitiba, um deputado. E ele disse “Olha, não é pejorativo, não? Porque, em Curitiba, o jornal se esconde quando a gente leva notícia e você corre atrás?”. Devo ter ido 10 mil vezes ao aeroporto de Londrina. Não chegou uma autoridade a Londrina que eu não estivesse junto. Ás vezes, quando chegava o governador, os meus mui amigoslevavam os recortezinhos das críticas feitas a ele. Mas eu chegava e, quando eles começavam a olhar, já trocava de assunto, já fazia um malabarismo. Porque, para aguentar esse meio poluído, não é fácil! Eu fazia isso com todas as autoridades, muito espontâneo, mas que desmanchava qualquer coisa mesmo.

José Wille – O jornal sempre foi o seu cartão de apresentação? O senhor sempre levava um exemplar junto?

João Milanez – Sempre levava um exemplar junto. Quando ia para o exterior, eu levava 200 exemplares, que lá não paga excesso de bagagem. E eu sempre levava. Quando estava em Brasília, já no tempo da Revolução, peguei o jornal e o joguei no Palácio da Alvorada, embaixo das metralhadoras. Os guardas começaram a se mexer e eu corri. Mas não deu nada, pois eu era sempre convidado do presidente da República. Então, eu fazia essa estratégia toda, sem malandragem. Na minha vida, posso dizer que tenho vocação para ser comunicador, mas faço o que tenho interesse. Não vou a um lugar para ser um só. Se for para ser um só, eu não vou. Eu chego, faço bagunça mesmo! Se precisar jogar café no vestido da primeira-dama, eu jogo! Isto é, não jogo, mas faço de conta, para ficar marcado. Isso é brincadeira, mas eu faço muito. Eu estava em São Paulo, assistindo ao cidadão que cobra 5 mil dólares para fazer uma palestra. Tinha mil pessoas no Maksoud Plaza e o palestrante disse “A pessoa tem que usar 80% da vida na dedicação ao trabalho, só à profissão, senão não vence. E 20% para pensar no passado e no futuro”. Eu levantei a mão – já o conhecia – e disse “Professor, eu estou de acordo com os 80%, e eu até os uso. Só que com os 20% eu penso nas meninas!”. Aí, foi aquela gozação – passado e futuro, já era! Faço essas coisas, porque é o lance. Fiz até com ministros. Cheguei lá no ministério e disse “Quero falar com o ministro” – “Mas o senhor marcou dia?” – “Não marquei coisa nenhuma! Se não for hoje, amanhã vai ter outro ministro, porque nós vamos falar para o presidente trocá-lo!”. Falava na brincadeira. Já fiz algumas vezes isso. Se eu faço isso, não é por exibicionismo, é um meio de você penetrar.

José Wille – Um fato importante da história do Norte do Paraná, em julho de 1955, foi a grande geada que devastou aquela região e fez com que muita gente perdesse tudo de uma hora para outra. Como foi isso para o comércio, para o jornal, para o Norte do Estado?

João Milanez – Isso, não tenha dúvida, foi um velório, uma coisa incrível! Teve fazendeiro em Assaí que se suicidou, porque tinha tudo no café. O Paraná tinha 1 bilhão e 600 milhões em pés de café – e 100 mil pés de café já é um fazendeiro, não é isso? Hoje, nós temos pessoas que têm 6 milhões de pés de café. Mas foi uma coisa terrível mesmo! Todos tinham compromisso com os bancos – com o Banco do Brasil, principalmente – e eles, então, perderam tudo. Houve uma paralisação total, todo mundo dizia que ia sair de Londrina. Perguntaram-me para onde eu ia e eu disse “Não vou a lugar nenhum, que aqui é o melhor lugar do mundo!”. Então, nós resistimos a todas essas coisas. Foi uma coisa realmente terrível, principalmente para Londrina, que era chamada de Capital do Café. O comércio parou e o jornal também sofreu. O impacto da geada foi muito forte, porque só tinha café. Havia, de Jacarezinho ou até mesmo de Santo Antônio da Platina a quase Cascavel e Umuarama, 300 km só de cafezais, só, só, só…O café era a base! O café transportava, o café tinha armazéns, catadores de café, funcionários… A mão-de-obra do café era uma coisa! Perdemos 1 milhão em mão-de-obra por causa do café. De cara, o Paraná perdeu 1 milhão da sua população.

José Wille – Nas décadas seguintes vieram mais geadas e a substituição de culturas. E as cidades perderam grande parte da população. O Norte do Paraná mudou muito.

João Milanez – Nem tenha dúvida! Mas isso despertou também o Norte do Paraná, pois começamos a diversificar a nossa agricultura. Até hoje, temos doze produtos da agricultura. Por isso, o Paraná quase não tem época de paralisação, porque, em cada mês, tem uma produção: o algodão, a soja… O Paraná é um estado até hoje muito agrícola, só que diversificou. Aí, veio a mecanização. E, hoje, o Paraná está voltando um pouco para o café, pois é um produtor que tem um bom café. Naquela época, o café não era considerado bom. Hoje, colhe-se em pano; na época, era tudo na base até da vara – batia-se com a vara para colher café. Era um assassinato, até! Tinha pé de café no Norte do Paraná que rendia um saco apenas.

José Wille – Havia, nessa riqueza que surgia, também a ostentação. Como o senhor viu isso na sociedade londrinense?

João Milanez – Isso subiu muito à cabeça. Os Cadillacs, vindos dos Estados Unidos, circulavam em Londrina. O cidadão, quando chegava a Londrina para trabalhar, estava a pé. Uma semana depois, já estava de jipe; na outra, estava de carro, na quinta semana; já estava na polícia, respondendo a alguma coisa. Estava crescendo muito! Os maiores vendedores do Brasil iam para o Norte do Paraná, depois que se começou a vender o loteamento fora da Companhia de Melhoramentos. Muita gente, quando via o corretor chegar, escondia-se até debaixo da cama para dizer que não estava. De medo do corretor, pois o corretor botava o mapa no chão – uma técnica para vender – e sentava no mapa. E o comprador, que era chamado de jacu, ficava com a cabeça baixa, até ficar tonto. Quando ficava tonto, começava a assinar duplicata. Era um trabalho interessante.

José Wille – Chegaram a lhe oferecer terra? O senhor pensou também em investir em outras áreas ou sempre ficou com o jornal?

João Milanez – Moisés Lupion, certa vez, me disse “Milanez, vou te dar uma área de terra”. E eu disse “Governador. já trabalhei na roça, não quero terra” – “Mas não é para você cultivar, é para vender.” E eu respondi “Terra, para mim, não é instrumento de especulação – o Papa disse isso, inclusive – é instrumento de produção!”. E eu nunca quis, porque o cidadão tem que fazer uma coisa bem, se puder – ou bem mais ou menos bem. Não adianta fazer mil coisas. Então, eu sempre lutei pelo jornal. A minha vida, minha grande luta, foi o jornal, e está sendo até hoje, é lógico. Tudo que eu faço é em função do jornal.

José Wille – No Norte do Paraná, o jornal centralizava as reivindicações? O Norte sempre reclamou muito do esquecimento da capital, nas décadas de 40 e 50, pois nem estrada adequada existia para a ligação Norte-Sul. Como a “Folha de Londrina” trabalhou por isso?

João Milanez – Dizia-se que Curitiba era um país diferente. A “Folha de Londrina” fez não campanhas, mas algumas notícias, como “O bom era se anexar a São Paulo, pois temos ligação com Ourinhos, onde tem até asfalto, mas não temos ligação com a capital”. Certa vez, vim de carro para Curitiba, pela tal da Estrada do Cerne, e o carro ficou todo empipocado de pedrinha. Levei onze horas para vir até aqui! Estávamos isolados. Aí, o governo Ney Braga iniciou e terminou a Estrada do Café, que não é uma estrada bem-traçada, não tem nem acostamento, mas foi uma estrada que trouxe esta ligação. E vieram outras coisas, como a Universidade de Londrina, o que foi uma guerra terrível! O jornal participou, publicando manchetes: “O Norte do Paraná não abre. Não é a “Folha”, não. Não abre mão da sua universidade”. Outra briga muito grande da “Folha” foi pelo Instituto Agronômico, pois o Paraná precisava produzir e, às vezes, não produzia e nem sabia por quê. Não tinha análise, não tinha nada. Tínhamos fama de sermos orgulhosos, de sermos metidos. E, às vezes, éramos mesmo. Aí, começamos a criar as faculdades. E Jandaia do Sul criou um curso, também. E Apucarana, Jacarezinho… Hoje, nós temos vários cursos. Então, Londrina começou a ter vida cultural, e a “Folha de Londrina” sempre esteve junto. Fui mais de 100 vezes ao Rio de Janeiro reivindicar aos ministros da Fazenda e da Agricultura coisas para o Norte do Paraná. E também fui ao Ministério de Transporte pedir estradas, porque, quando cheguei aqui, não tinha um palmo de estrada asfaltada. Em Londrina, éramos exilados. O aeroporto não tinha hangar asfaltado e, quando chovia, parava tudo. Chegou até a cair um avião lá, matou gente inclusive, porque não tinha nada. Então, as reivindicações na “Folha de Londrina” foram sempre ligadas ao Norte do Paraná. Quer dizer, a cidade tem um jornal que criou uma personalidade. Tem um lema que dizia que 60% do progresso de Londrina teria sido da “Folha”.

José Wille – Pelas posições que o jornal tomava, o senhor teve alguns desentendimentos com o governador Ney Braga?

João Milanez – Ah sim, já tive, é lógico! E fui amigo do Ney Braga, tanto que até hoje ele liga para mim. O Ney Braga, o Paulo Pimentel, o Richa… – eu me dou com todo mundo. Só que no jornal é diferente. Ele não deve estar junto à política. Ele faz o que deve, porque o povo quer. E o governo não é sempre o que o povo quer. O Ney Braga já chegou a me xingar; depois, me pediu desculpa – “Você está fazendo notícia contra fulano, contra a universidade”. Mas não era assim, porque nunca fizemos notícia contra ninguém. Nós só divulgávamos. Eu sempre dizia “Se fôssemos donos da notícia, não precisava pagar agência de notícia ou redator”. Não é isso? Então, as notícias são colhidas. A notícia é quando acontece.

José Wille – Sendo amigo de todo mundo, como ficava quando o senhor tinha que publicar alguma notícia ruim sobre alguém, e a pessoa tentava impedir?

João Milanez – Houve um caso de um secretário que saiu da secretaria, numa confusão muito grande no governo, e eu estava em São Paulo. Aí, o governador disse “Ah! O Milanez, quando acontece alguma coisa, foge para São Paulo”. Mas foi coincidência. E falei para ele “O senhor me desculpe, eu também não gostei da notícia. Mas aconteceu e, infelizmente, o povo nos cobra a notícia e o jornal está aí para isso”. Não fazemos isso por vontade. Muitas coisas que saem no jornal eu não gosto que saiam também. Eu fazia malabarismo, dizia que era bagrinho, era liso. Mas nunca perdi a minha personalidade. Mas não tenha dúvida que é difícil conviver com uma pessoa e fazer jornalismo. Agora é que os jornalistas estão saindo um pouco, mas, antigamente, no caso de diretores de jornal, como o Mesquita, em São Paulo, com quem convivi um pouco, e com o pessoal de lá, era mais difícil falar do que com o presidente da República. Eles eram encastelados, não queriam sair à rua, porque eram até apedrejados.

José Wille – No período militar, a partir de 1964, o jornal sofreu muito? Como foi a censura ao jornal?

João Milanez – Isso causou 20 e poucos anos de atraso ao Brasil, não tenha dúvida. Até faço uma comparação rápida com a ditadura de Portugal e da Espanha, pois fui várias vezes lá e estive com Salazar, estive com o Franco. Portugal e Espanha eram pobres. No dia que deixaram de ter ditador, viraram ricos. Hoje, estão no Mercado Comum. Quer dizer, o atraso que a ditadura causou aos brasileiros foi muito grande. Nas lideranças – apontou uma pesquisa – todo mundo tinha medo. Eu tinha medo de sair para a rua – eu, que nunca tive medo de nada! Várias vezes quiseram me prender, inclusive.

José Wille – O senhor foi fichado?

João Milanez – Fui fichado, é lógico. A Clara, que escrevia para nós, quando o camburão foi buscá-la na “Folha”, eu disse que ela não ia no camburão, pois era uma senhora distinta, com curso superior. E as autoridades –“Mas ela é comunista e para nós não vale nada!” – “Pois é. Mas, para mim, vale!”. E eu a entreguei lá na polícia. Então, tive problemas muito sérios. Quando Leon Peres renunciou, publicamos a manchete e mandaram aprender todos os jornais e todos os carros de jornais que estivessem na rua. Nessa altura, não tinha mais nenhum na rua, estavam todos escondidos. Sem dúvida, a ditadura foi um atraso terrível, foi um atrofiamento da mente, foi um atrofiamento da inteligência.

José Wille – O senhor combatia os grileiros no Norte do Paraná, que estavam tomando terras, ou vendendo terras que já estavam vendidas. Também era contra o jogo do bicho. O senhor passou por momentos?

João Milanez – Jornalista que nunca foi processado e nunca foi ameaçado de morte, principalmente jornalista do interior, é o mesmo que um soldado que nunca deu um tiro. Muitas vezes, eu recebia cartas dizendo “Para de falar em grilo de terra, pois você vai dormir de pijama de madeira!”. Eu, muitas vezes, ia por uma rua para casa e, no outro dia, ia por outra. Eu me prevenia. Com o jogo do bicho, foi a mesma coisa: teve um cidadão que pagou 50 mil reais – não sei quanto é hoje – para me cortar um pedaço da orelha. E quem me salvou foi o semáforo – Londrina sempre foi uma cidade metida, tinha semáforo desde o começo. Quando percebi que alguém seguia meu carro, o semáforo fechou para ele quando eu passei. Dei uma volta, me escondi e ele não me achou mais. Eu salvei até minha orelha! Tinha ameaça de pessoas, que diziam “Venha ao meu bar, que tem gente esperando você!”.  Mas, assim de cara, ameaçado com um revólver no peito, não aconteceu nenhuma vez. Mas sei que tive muita proteção. Sou muito religioso também. Sou meio rosacruz também. Acredito muito na proteção de Deus. E digo “Deus me destinou, me chamou para que eu faça essa função”. Tem muita gente que, desde pequeninho, quer ser; mas eu não, eu fui chamado. Então, minha vida, realmente, está muito ligada à proteção que acho que tive. Se eu morrer amanhã, quero agradecer tudo, porque o cidadão que veio do cabo da enxada conheceu o mundo inteiro. Já estive na Casa Branca, já estive com John Kennedy, com Eisenhower, estive com presidentes alemães – fui lá cinco vezes, a convite do governo alemão. Já conheço todo o pessoal de turismo da Alemanha. Nos Estados Unidos, ficamos 28 dias com o mesmo guia, que era brasileiro. Todo mundo brigou com o guia, menos eu, porque não brigo com ninguém coisa nenhuma.

José Wille – Outra coisa rara é um fundador de algum órgão, de alguma empresa, permanecer por tanto tempo na direção, como é seu caso, que já tem 50 anos à frente do jornal.

João Milanez – Só 3% das empresas no mundo é que completam 50 anos com o mesmo fundador. Em 80% das empresas no Brasil e 70% nos Estados Unidos, não chegam a dois anos. Se analisarmos, no Brasil tem a Garcia e a “Folha”, somente. Para você ver como é difícil a fragilidade humana. Por quê? Porque o cidadão começa a querer ter mais coisas, começa a querer pisar nos outros, a ter vantagens e, aí, se perde, no campo e no espaço.

José Wille – Além do jornal, o senhor se dedicou a outros veículos. Criou três estações de televisão, a TV Curitiba,  a TV Tarobá, em Cascavel, a TV Londrina, a FM da Folha. O senhor chegou a morar, inclusive, em Curitiba, mas não se adaptou à cidade?

João Milanez – Eu morei em São Paulo um pouquinho também, e um pouquinho até no Rio. Eu me casei e me separei. Hoje, isto é normal, mas, naquela época, quinze anos atrás, era um escândalo! Fiquei em São Paulo e vim, depois, para Curitiba. A TV Tarobá já existia e, coincidentemente, me convidaram para montá-la, mas não era o meu desejo, com toda a sinceridade. Hoje, a TV Tarobá faz serviços até para a Globo. O melhor carro digital é da TV Tarobá, que custou 1 milhão e 800. A rádio em Londrina era concessão de rádio FM, mas ninguém queria concorrer. Concorri e ganhei. E a TV Londrina, que é meio nova, é de agora. Mas o meu negócio, realmente, sempre foi e será jornal. E eu nunca trabalhei em função do lucro, nem em função da projeção.  Acho que a gente tem que fazer alguma coisa mais ou menos bem. Se eu morrer amanhã, só tenho que agradecer a esse mundo todo.

José Wille – Para fechar, então: se fosse para dar um conselho para um jornalista que está se formando agora, o que o senhor diria a ele? O que é importante: a dedicação, fazer bem feito, relacionamento? O que realmente pesa?

João Milanez – Primeiro, o jornalista, todo ser humano – vamos falar especificamente – tem que gostar bastante dele e da sua profissão, porque aí vai gostar do outro, de alguém também. Sempre sonhei até demais. Mas sempre tem que se desconfiar de alguma coisa, não é isso? Que nós não podemos ir na conversa de qualquer cidadão. Se o cidadão conta uma história, você tem que analisá-la, tem que checá-la. Mas, às vezes, o jornalista é um pouco radical demais e não acredita muito nos outros. Então, o jornalista tem que se dedicar totalmente à profissão e procurar se aperfeiçoar o máximo possível. Temos jornalistas, hoje, que ganham o que querem. O Arnaldo Jabor, por exemplo, cobra 10 mil dólares para fazer uma palestra de uma hora e meia. Você tem que procurar ser o máximo do melhor, para ter uma vida melhor, para viver bem e para ter tudo que você precisa, que é a mínima coisa que o ser humano tem que ter. E quero agradecer ao Wille, um grande amigo meu, que começou na nossa TV Curitiba, que foi uma escola também, não é isso? Um abraço para vocês e desculpe a minha conversa fiada.

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