América do Sul abriga mais de 2,5 mil espécies de sapos, rãs e pererecas
Pesquisadores brasileiros realizaram o mais completo levantamento de anfíbios anuros – grupo composto por animais de quatro patas, corpo curto e que não possuem cauda, como sapos, rãs e pererecas – da América do Sul, contabilizando 2.623 espécies. O trabalho, apoiado pela FAPESP, resultou no livro Biogeographic Patterns of South American Anurans, publicado pela editora Springer.
Além de atualizar o número de espécies registradas até 2017, a publicação traz mapas de diversidade de espécies, de funções ecológicas exercidas por elas, de diversidade filogenética (diferentes linhagens evolutivas) e de endemismos. Os dados oferecem subsídios para a criação e a gestão de políticas de conservação.
O último levantamento do tipo havia sido publicado em 1999, em um livro editado por William E. Duellman, professor emérito da Universidade do Kansas, nos Estados Unidos, intitulado Patterns of Distribution of Amphibians: A Global Perspective (Padrões de Distribuição de Anfíbios: Uma Perspectiva Global). Na ocasião, o pesquisador norte-americano havia registrado 1.644 espécies no continente sul-americano e publicou uma série de mapas indicando como essa diversidade estava distribuída. Na era pré-SIG (Sistema de Informação Geográfica), esse pesquisador tinha poucos recursos para analisar os processos ecológicos e evolutivos que geraram os padrões observados. Já neste novo livro, o grupo brasileiro compilou informações de diferentes bancos de dados e da literatura científica produzida até então sobre o tema. Além disso, o uso de ferramentas de SIG permitiu aos pesquisadores fazer análises não abordadas por Duellman.
“Apesar de vários estudos terem sido desenvolvidos desde o último levantamento, todos foram muito focados em algum grupo específico de anfíbios anuros ou em alguma região da América do Sul”, disse Tiago da Silveira Vasconcelos, pós-doutorando da Faculdade de Ciências da Universidade Estadual Paulista (FC-Unesp), em Bauru, e primeiro autor da obra.
Vasconcelos realizou parte do trabalho no âmbito do projeto “Macroecologia de anfíbios anuros do Cerrado e Mata Atlântica: modelagem de distribuição potencial, influência de mudanças climáticas e áreas prioritárias para conservação”, que integra o Programa de Pesquisa sobre Mudanças Climáticas Globais da FAPESP.
Os outros autores são Fernando Rodrigues da Silva, professor do Centro de Ciências e Tecnologias para a Sustentabilidade (CCTS), da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), em Sorocaba; Tiago Gomes dos Santos, professor da Universidade Federal do Pampa (Unipampa); Vitor H. M. Prado, professor da Universidade Estadual de Goiás e Diogo Borges Provete, professor da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS).
Floresta e montanha
O levantamento confirma – como apontado em trabalhos anteriores – que as regiões mais diversas do continente são a Amazônia Ocidental e a Mata Atlântica da região Sudeste do Brasil. A alta diversidade nessas áreas se dá, sobretudo, devido ao encontro de floresta com montanhas. No caso da parte oeste da Amazônia, a proximidade com a Cordilheira dos Andes. Na Mata Atlântica, a Serra do Mar – que se estende do Rio de Janeiro ao Rio Grande do Sul – e a Serra da Mantiqueira, nos estados de São Paulo, Minas e Rio.
“As florestas tropicais, quando associadas a topografias acidentadas, geram uma grande diversidade de espécies e funções ecológicas. Por isso, são extremamente importantes para a conservação dos anfíbios anuros na América do Sul como um todo”, disse Vasconcelos.
No entanto, os autores ressaltam que áreas relativamente pobres em espécies, como o Cerrado, também precisam de atenção, dada a importância desses sapos, rãs e pererecas em serviços ecossistêmicos como o ciclo de energia e nutrientes, bem como o controle de pragas agrícolas. A região do Cerrado é uma das maiores produtoras agrícolas do país.
“A preservação de anfíbios anuros, mesmo que sejam espécies comuns e amplamente distribuídas, é extremamente importante para a manutenção das teias alimentares. Isso garante o controle natural de pragas agrícolas ou de mosquitos vetores de doenças como dengue, febre amarela e chikungunya, por exemplo. Uma redução drástica de anfíbios provavelmente levaria a surtos de doenças em humanos e nas plantações”, disse Vasconcelos.
Ainda de acordo com o autor, regiões pobres em espécies não abrigam, necessariamente, apenas espécies comuns. Esse é o caso das porções central e sul dos Andes, que concentram um alto grau de diversidade filogenética e de espécies endêmicas (que ocorrem apenas naquela região).
“Nosso estudo dá um direcionamento para os pesquisadores irem a campo tentar desvendar, evolutivamente, o que aconteceu para esse padrão ter ocorrido. É importante preservar essas áreas para não perdermos o legado evolutivo da história da vida na Terra”, disse o pesquisador.
O trabalho teve ainda Auxílio à Pesquisa na modalidade Jovens Pesquisadores com o projeto “Influência de processos ecológicos e evolutivos na estruturação de comunidades de anfíbios em diferentes escalas espaciais e temporais”, coordenado por Fernando Rodrigues da Silva, dentro do Programa BIOTA-FAPESP. Contou também com bolsa de pós-doutorado para Diogo Borges Provete.
Todos os autores tiveram auxílio da FAPESP durante a pós-graduação no Instituto de Biociências, Letras e Ciências Exatas (Ibilce) da Unesp, em São José do Rio Preto, sob orientação da professora Denise de Cerqueira Rossa-Feres, a quem eles dedicam a obra.
Fapesp