Arte dos mapas mostra transformações do Brasil colonial aos dias de hoje
Muito além da representação, mapas do período do Brasil colonial trazem informações sobre imaginário e disputas de território. Doutor em artes visuais e professor de história da arte, André Dorigo realizou uma extensa pesquisa de mestrado sobre as diferenças entre a cartografia portuguesa e as cartografias holandesa, espanhola e francesa, durante o período colonial.
Segundo André, havia uma disputa política de informação: por um lado, os mapas portugueses eram manuscritos e totalmente sigilosos, para afastar a cobiça dos estrangeiros sobre nosso território. Já os holandeses, subornando cartógrafos de Portugal, imprimiam e disseminavam os mapas com as informações obtidas. “A cartografia portuguesa tem a ver com o modo de colonização: comercial, pragmática e econômica”, explica André.
Da necessidade dos portugueses de conhecer e proteger o litoral, o comum à época era que justamente essa parte do território fosse produzida com mais acurácia. André Dorigo cita mapas com o desenho do litoral praticamente definido e muito próximo do que a gente conhece hoje. “Claro, tem muita coisa que já foi aprimorada, mas já é muito próximo. Você observa o uso dos topônimos, o nome dos acidentes geográficos, as latitudes, as rosas dos ventos, tudo isso são levantamentos científicos”.
Um aspecto interessante dos mapas da época é a mistura de imaginário e veracidade das informações. Amanda Guerra, geógrafa do IBGE que escreveu sua dissertação de mestrado sobre cartografia histórica, explica que os mapas sempre expressaram a visão que os homens têm sobre seu espaço vivido.
Ela cita como exemplo os mapas da Idade Média (entre os séculos V e XV), que representavam o mundo sob as lentes do cristianismo: “no centro do mundo encontrava-se a cidade de Jerusalém. O Leste, considerado terra do paraíso, era orientado no topo do mapa”.
Já a partir da época da descoberta da América, os mapas apresentavam características mais científicas, porém ainda com figuras imaginárias, como monstros marinhos, preenchendo as áreas vazias dos mapas. “Com o passar do tempo, essas imagens se tornaram cada vez mais raras e os mapas foram acentuando seu caráter científico”, diz Amanda.
A estética e a ciência
Os mapas do período colonial eram verdadeiras obras de arte. Por seu traçado e estilo, era possível até mesmo saber quem eram seus autores – como um pintor que assinasse seu quadro.
Entretanto, o casamento entre ciência e arte se enfraqueceu durante períodos históricos como o Iluminismo e a Modernidade, com a separação cada vez mais nítida entre o que pode ser chamado de científico e o que não se enquadra nessa definição – inclusive a arte. Desde então, a beleza dos mapas foi sendo substituída por rigorosas padronizações que vinham de avanços tecnológicos e metodológicos que já se anunciavam desde o período colonial.
Hoje em dia essa separação não é mais uma lei e novas formas de representação surgem. Entre os produtos de cartografia atuais, Amanda Guerra e André Dorigo concordam que os mapas apresentam muito mais liberdade estética e podem produzir informações de modo mais claro e lúdico.
Uma das vantagens desse formato é ampliar seu alcance para o público em geral, sem perder a exatidão das informações. Como diz André Dorigo, é uma questão de leitura.
“Plantas e cartas são elementos científicos e pragmáticos e têm um uso específico, mas os mapas são formas de representação mais livres, mais abertas à arte. Os mapas, sim, podem ser cada vez mais voltados, com objetivo de comunicação, a uma mescla entre científico e artístico. Por isso é que os atlas e os mapas que o IBGE produz são bonitos. Então acho que os mapas, sim, têm que vir com esse objetivo de trazer o público para o conhecimento geográfico”, conta o professor.
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