Árvores na cidade reduzem calor, enchentes, internações e até violência
Causou rejeição imediata, em abril, a instalação de árvores artificiais numa das avenidas mais importantes de Belém, como parte dos preparativos do governo do Pará para a COP30, a conferência climática da Organização das Nações Unidas (ONU), marcada para novembro.
A acusação foi de incoerência. Primeiro, porque as COPs valorizam as árvores — as reais — como instrumentos essenciais no combate às mudanças climáticas. Segundo, porque a cidade, além de ser famosa pelos túneis verdes que suas mangueiras formam nas ruas, está situada justamente na Amazônia, a maior floresta tropical do planeta.
Depois rebatizadas pelo governo de jardins suspensos, as árvores artificiais são ilustrativas do pouco valor dado historicamente pelos gestores públicos à arborização das cidades no Brasil.
Com frequência e de forma errônea, entende-se que as árvores devem limitar-se a praças e parques, com função meramente decorativa. Existe até rejeição, e o plantio chega a ser evitado em razão do temor de que, no futuro, não resistam às tempestades e caiam sobre carros, casas e pessoas.
Um levantamento feito por satélite pela rede de instituições de pesquisa ambiental MapBiomas mostra o descaso com a arborização das cidades. Da área urbana total do país, revela o estudo, somente 6,9% são cobertos por vegetação.
A situação fica ainda pior quando se analisam os dados por estado e município. Os índices de cobertura vegetal urbana no Amapá, em Roraima e em Rondônia são, respectivamente, de meros 2,6%, 3% e 3,1%. Dos quase 5,6 mil municípios do país, nada menos que 1,2 mil têm menos de 1% de cobertura e outros 350 não contam com área verde nenhuma.
A ONU recomenda que no mínimo 30% de cada bairro seja coberto pela copa de árvores. O mapeamento do MapBiomas considera as áreas verdes em geral, incluindo gramados e arbustos, o que significa que, se fossem levadas em conta apenas as árvores, as porcentagens do Brasil seriam ainda menores.
De acordo com especialistas ouvidos pela Agência Senado, o principal remédio para a escassa arborização urbana é a criação de uma política pública específica que induza os governos municipais, estaduais e federal a agir a favor do aumento da quantidade e da qualidade das árvores nas cidades, além da existência de recursos financeiros que permitam a sua execução.
Para suprir a lacuna, o Congresso estuda dois projetos de lei de conteúdo semelhante que criam a Política Nacional de Arborização Urbana. Um deles (PL 3.113/2023) foi apresentado pelo senador Efraim Filho (União-PB). O outro (PL 4.309/2021), pelo ex-deputado Rodrigo Agostinho, atual presidente do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Renováveis (Ibama).
Não é apenas por estética que as cidades precisam ter um elevado número de árvores espalhadas pelo território. A arborização urbana produz benefícios concretos no meio ambiente e na vida das pessoas.
A cidade verde sofre menos com enchentes, alagamentos e enxurradas. Isso ocorre porque o solo fica mais permeável, favorecendo a absorção de água. Por consequência, menos resíduos sólidos são despejados nos rios urbanos, o que significa que a água que abastece a cidade é mais pura.
A arborização funciona como um escudo natural. As casas cercadas de árvores ficam protegidas dos raios solares, dos ventos, da poeira e da poluição do ar. Por essa razão, os moradores ligam menos o ar-condicionado, sofrem menos com os vendavais e são menos acometidos por doenças respiratórias, que podem levar à hospitalização. Tudo isso resulta em economia para as famílias e o poder público.
De forma surpreendente, estudos mostram que as árvores favorecem até mesmo a segurança pública. Os bairros arborizados atraem as pessoas para a rua, o que cria uma vigilância coletiva e sinaliza que a área não está abandonada — condições que os criminosos tendem a evitar.
As árvores ainda contribuem para a redução da violência doméstica, uma vez que funcionam como reguladores emocionais que promovem o bem-estar, aliviam a ansiedade, o estresse e a impulsividade e reduzem os conflitos familiares.
Além das praças e dos parques, precisam estar presentes em calçadas, jardins privados e canteiros centrais de avenidas, na margem de rios e córregos e ao redor de edifícios administrativos e instalações públicas, como bibliotecas, postos de saúde, hospitais, centros de cultura e terminais de ônibus.
Por todas essas razões, elas são consideradas equipamentos essenciais de infraestrutura urbana, da mesma forma que postes de luz, cabos de energia elétrica e redes de drenagem. Como tais, o plantio exige planejamento. A diferença é que são equipamentos vivos.
Neste momento, os projetos de lei do senador Efraim Filho e do ex-deputado Rodrigo Agostinho estão em análise na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ) de suas respectivas Casas. Estas são algumas das determinações da Política Nacional de Arborização Urbana contidas nas duas propostas:
elaboração de planos municipais, estaduais e federal de arborização, que detalharão as estratégias específicas que cada gestor deverá seguir para cumprir as determinações da política nacional;
obrigatoriedade de planos municipais para todas as cidades com mais de 20 mil habitantes (projeto da Câmara) ou 50 mil (versão atual do projeto do Senado);
atualização de todos os planos a cada cinco anos;
destinação de verbas federais e estaduais às prefeituras para induzir a criação dos planos municipais e ajudar na execução;
participação da sociedade na elaboração dos planos;
criação de um sistema integrado de informações sobre arborização, com dados de todo o país que permitam o diagnóstico e a adoção das medidas mais adequadas e o monitoramento;
incentivo ao uso de espécies nativas e adaptadas aos climas locais;
obrigatoriedade de arborizar também os bairros mais pobres e as favelas;
integração da arborização ao planejamento territorial e a políticas de mobilidade, saúde, educação e segurança;
criação de regras para compensar a remoção de árvores realizada ou autorizada pelo gestor público, incluindo a quantidade, a espécie e a localização das novas árvores;
promoção da pesquisa, da inovação e da profissionalização da arboricultura;
promoção da educação ambiental da comunidade.
A bióloga Aline Cavalari, coordenadora do curso de especialização em arborização urbana da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), destaca, entre os pontos altos da política nacional, a criação de regras para a compensação ambiental pela remoção de árvores:
— Atualmente as mudas utilizadas na compensação são muito ruins e não têm sucesso após o plantio. Isso ocorre porque muitos políticos priorizam metas quantitativas em vez da qualidade das mudas, das quais parte acaba morrendo. Nessas condições, a compensação pela remoção de árvores não cumpre plenamente seu objetivo.
De acordo com ela, o ideal seria fazer como em Paris, por exemplo, onde, quando uma árvore está velha e perto de morrer, é substituída por uma mais jovem e do mesmo porte, não por uma muda. Fazem isso para não esperar os muitos anos que a muda leva para virar uma árvore de porte e começar a absorver o carbono e os poluentes do ar.
— Trata-se, porém, de uma ação que exige muito dinheiro. Como a realidade brasileira não permite isso, temos que fazer o melhor possível diante das nossas possibilidades, que é investir em mudas de qualidade — acrescenta a bióloga.
O Ministério do Meio Ambiente e Mudanças Climáticas indica que, apesar das limitações orçamentárias historicamente impostas às ações ambientes, haverá, sim, dinheiro para a arborização das cidades após a aprovação da política nacional.
De acordo com a engenheira florestal Jennifer Viezzer, coordenadora-geral de Adaptação dos Ambientes Urbanos à Mudança do Clima no Ministério do Meio Ambiente, os recursos se originarão de emendas parlamentares, de convênios, da cooperação internacional, do Fundo Nacional sobre Mudança do Clima e de uma fração do montante arrecadado com multas por infrações ambientais.
Uma vez criada a Política Nacional de Arborização Urbana, os gestores não poderão mais ignorar a questão, que passará a integrar oficialmente o rol de prioridades do poder público. O engenheiro florestal Daniel Caiche, professor de sustentabilidade corporativa na Fundação Getulio Vargas (FGV), afirma:
— Os incentivos financeiros são imprescindíveis, mas não suficientes. As sanções também são necessárias. Embora não haja previsão explícita de punições, os prefeitos que descumprirem a nova lei e se omitirem poderão ser processados por improbidade administrativa.
A bióloga Ketleen Grala, que coordena os projetos de educação ambiental da Universidade Federal do Pampa (Unipampa), diz que a ausência de uma política nacional tem prejudicado a continuidade de bons projetos de arborização no país.
— Porto Alegre é um caso emblemático — exemplifica ela. — A cidade foi a primeira do Brasil a ter uma Secretaria de Meio Ambiente, em 1976, e por muitos anos se destacou como referência nacional em arborização urbana. As trocas de gestão, porém, trouxeram prefeitos que não deram a devida atenção ao tema, e ações estruturantes acabaram se perdendo. A política nacional impedirá interrupções e retrocessos.
O Ministério do Meio Ambiente apoia os dois projetos de política nacional que estão no Congresso e já dá como certa a aprovação de algum deles em breve. Tanto que já iniciou a execução de um de seus dispositivos. Após consultar a sociedade, o ministério elaborou o Plano Nacional de Arborização Urbana, que será apresentado oficialmente durante a COP30 e fará parte do recém-criado Programa Cidades Verdes Resilientes. Para que o plano seja executado, não é necessário que a política nacional esteja aprovada e em vigor.
O plano nacional criará uma padronização básica para a arborização a ser contemplada pelos planos estaduais e municipais e seguida em todo o país. No entanto, não engessará os prefeitos, já que dará flexibilidade para que cada município adapte as medidas à sua realidade e às suas necessidades.
Especialistas afirmam que existem prefeituras bem-intencionadas que espalham árvores pelas cidades, mas involuntariamente fazem tudo errado. Não é raro que plantem espécies inadequadas e negligenciem a manutenção posterior. Quando fazem a manutenção, podem adotar medidas equivocadas, como mutilar a raiz. Nessas condições, será grande a chance de as árvores caírem. O que seria potencialmente bom acaba, no fim, sendo uma tragédia.
A engenheira florestal Ana Lícia Patriota, presidente da Sociedade Brasileira de Arborização Urbana e professora da Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE), diz:
— Quando ocorrem dano e prejuízo por causa de medidas incorretas de manejo, as pessoas ainda têm a ousadia de culpar a própria árvore. Embora pareça óbvio, é preciso repetir insistentemente que o trabalho só deve ser feito por profissionais capacitados. Não dá para improvisar.
No Brasil, vem se tornando moda a substituição de árvores por palmeiras, especialmente as imperiais. Trata-se, porém, de uma prática condenada pelos especialistas.
— A substituição é um erro, entre outros motivos, porque as palmeiras não fazem a captura de carbono do ar e existe o risco de as folhas caírem com violência sobre carros e pessoas — explica Patriota. — Ao contrário do que se imagina, as palmeiras não são árvores. Apesar da imponência, são monocotiledôneas, como a cana-de-açúcar, não têm anéis de crescimento, o caule não aumenta em diâmetro para formar madeira e o desenvolvimento é apenas vertical, além de outros aspectos — afirma.
Previstos no plano nacional, a padronização e o trabalho profissional são importantes porque contemplam os protocolos mais elementares da arboricultura, nem sempre conhecidos pelas equipes municipais. Veja abaixo exemplos de espécies inadequadas para determinadas situações urbanas:
as que perdem muitas flores não devem estar perto de bocas de lobo, para não haver entupimento;
as muito altas e com copa robusta não podem ser plantadas sob a fiação elétrica, pelo risco de atingi-la com o passar do tempo;
as que produzem frutas pesadas não devem cobrir ruas e estacionamentos, pois é certo que atingirão e danificarão automóveis;
as que dão frutas que, ao cair, deixam o chão escorregadio também não podem estar perto do trânsito, para a segurança dos motociclistas;
as com raízes mais superficiais precisam ser plantadas longe de calçadas e ruas, de modo a não estufar e romper o piso;
as com raízes mais profundas devem estar afastadas das redes de água e esgoto, para não atingir as tubulações.
O Plano Nacional de Arborização Urbana a ser lançado pelo Ministério do Meio Ambiente inclui o esquema chamado 3-30-300, considerado pela ONU regra de ouro da arborização urbana. Para que seja sustentável, entre outros requisitos, a cidade precisa permitir que cada habitante veja da janela de casa, do trabalho ou da escola pelo menos três árvores, que a copa cubra no mínimo 30% da área de cada bairro e que haja uma praça, parque, jardim ou gramado de tamanho considerável a até 300 metros (aproximadamente três quadras) da casa, do trabalho ou da escola de cada pessoa.
Quando as metas incidem sobre cada habitante e cada bairro, a regra 3-30-300 impede que as autoridades se deem por satisfeitas com a arborização das zonas mais ricas e ignorem as mais pobres. O objetivo é combater a injustiça ambiental, que alimenta a injustiça climática — esta última ocorre quando os impactos das mudanças climáticas, como enchentes e deslizamentos de terra, afetam com mais intensidade as populações carentes.
No quesito arborização urbana como preocupação pública, o país está relativamente atrasado. Os primeiros estudos a respeito da necessidade de árvores nas cidades datam de meados do século passado, produzidos nos Estados Unidos e no Canadá. O primeiro grande encontro internacional sobre o meio ambiente foi a Estocolmo 1972, patrocinada pela ONU, que embora não tenha mencionado explicitamente a arborização urbana, reconheceu a importância das áreas verdes nas cidades como componente essencial do bem-estar humano.
No Brasil, a agenda técnica e científica sobre o tema nasceu há exatamente 40 anos, em outubro de 1985, quando pesquisadores e gestores públicos se reuniram no 1º Encontro Nacional de Arborização Urbana, em Porto Alegre. E só agora começa a ganhar respaldo legal por meio da lei federal prestes a ser criada.
A ideia da lei, porém, não partiu do poder público, mas da sociedade civil organizada. Coube à Sociedade Brasileira de Arborização Urbana a iniciativa de redigir a minuta de um projeto de lei e apresentá-la ao Senado e à Câmara dos Deputados, onde, após os integrantes da entidade visitarem diversos gabinetes, foi finalmente encampada por Efraim Filho e Rodrigo Agostinho.
Os trabalhos de elaboração da minuta foram coordenados por Daniel Caiche, hoje na Fundação Getulio Vargas. Ele explica por que o tema não costuma ter grande receptividade no meio político:
— A arborização não rende dividendos para o prefeito. Não se trata de uma obra que será inaugurada com pompa, como um hospital. E os resultados não são imediatos. Quando se instala um poste, a iluminação começa no mesmo dia. Quando se instala uma boca de lobo, a coleta da água é feita logo na primeira chuva. No caso das árvores plantadas como mudas, porém, os benefícios só começam a ser colhidos após cinco, seis ou dez anos.
Segundo Caiche, a falta de árvores nas cidades começou a ser vista como problema pela sociedade e pelo poder público no Brasil somente entre 2015 e 2016, quando o Acordo da Paris foi assinado, com compromissos ambientais para todos os países em razão da tragédia climática que se aproximava.
— Naquele mesmo momento, além disso, as pessoas começaram a sentir na pele os efeitos das mudanças climáticas, que vêm se tornando cada vez mais frequentes e extremos, como tempestades, enchentes e vendavais que destroem casas e paralisam as cidades. Só então se deram conta de que as cidades não estavam preparadas para os desastres climáticos — acrescenta ele.
Ainda assim, diz Aline Cavalari, da Unifesp, ainda existem muitas pessoas que não entendem a importância das árvores na cidade:
— É comum que famílias não as queiram na porta de casa, temendo que sujem a calçada com suas folhas ou caiam, provocando prejuízos. Lojistas também são refratários, porque pensam que obstruirão a fachada do negócio. Ainda existe essa visão distorcida de que as árvores prestam um desserviço às cidades, e não um serviço.
Na avaliação de Jennifer Viezzer, do Ministério do Meio Ambiente, o atraso brasileiro também se explica pelas urgências da pauta ambiental:
— Por muito tempo, o poder público se concentrou no combate ao desmatamento, na recuperação da vegetação nativa e na promoção da biodiversidade. Esses temas foram prioritários e mais fortes que a arborização urbana porque as nossas florestas ocupam uma área muito extensa e o desmatamento é de grandes proporções.
Para mudar a visão negativa das árvores, afirma Ketleen Grala, da Unipampa, é essencial investir na educação ambiental, tal como prevê a Política Nacional de Arborização Urbana em análise no Senado e na Câmara:
— As árvores têm sido muito maltratadas porque as pessoas em geral não percebem sua presença nem reconhecem seu valor. O que a educação ambiental faz é mostrar que existem e têm um papel importante, principalmente no combate às mudanças climáticas. As crianças de hoje já têm essa consciência e só precisam de direcionamento para que se engajem e participem de bons projetos. A maior dificuldade são os hábitos incorretos arraigados nos mais velhos, que precisam ser sensibilizados para mudar atitudes equivocadas.
Mesmo sem ainda haver a Política Nacional de Arborização Urbana, alguns gestores públicos, por iniciativa própria, já priorizam o tema, e suas cidades são reconhecidas internacionalmente por isso. No Brasil, 34 municípios já receberam o título de Cidade Árvore do Mundo, como Porto Alegre, Belo Horizonte, Recife, Rio Claro (SP), Nova Friburgo (RJ) e Juiz de Fora (MG).
A honraria, concedida anualmente pela Arbor Day Foundation, dos Estados Unidos, e pela Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO), considera critérios como a quantidade e a qualidade das árvores, a existência de uma secretaria municipal dedicada ao meio ambiente e o volume de recursos destinados à arborização.
– Agência Senado


