Guterres diz que “o medo é hoje a marca mais vendida”
Secretário-geral abriu esta terça-feira o debate de alto nível da Assembleia Geral; chefe da ONU destacou temas como paz e conflitos, desigualdade, mudança climática e migração; discursam no primeiro dia os presidentes de Angola, Brasil e Portugal.
O secretário-geral da ONU, António Guterres, abriu esta terça-feira o debate de alto-nível da Assembleia Geral, em Nova Iorque, dizendo que se está “vivendo num mundo de inquietudes.”
O chefe das Nações Unidas afirmou que “muitas pessoas temem ser pisoteadas, frustradas, abandonadas, deixadas para trás.”
Medos
Segundo ele, as pessoas têm medo que as máquinas assumam seus trabalhos, que os traficantes lhes roubem a dignidade, os demagogos levem seus direitos, os senhores da guerra acabem com suas vidas e os combustíveis fósseis roubem seu futuro.
Guterres disse que, ainda assim, “essas pessoas continuam acreditando no espírito e nas ideias” que reúnem mais de 150 chefes de Estado e de Governo esta semana na sede da ONU em Nova Iorque.
O secretário-geral afirmou que as pessoas ainda acreditam nas Nações Unidas, mas perguntou se elas continuam acreditando em seus líderes.
Golfo
O representante destacou depois várias ameaças à paz e segurança internacionais.
Segundo ele, existe “uma possibilidade alarmante de um conflito armado no Golfo, com consequências que não se pode suportar.” Para ele, o ataque recente a uma instalação de petróleo na Arábia Saudita é “totalmente inaceitável.”
Num contexto onde um pequeno erro de cálculo pode causar uma grande confrontação, António Guterres disse que a comunidade internacional precisa “fazer todo o possível para pressionar por razão e moderação.”
Grande fatura
Nestes tempos de transição e disfunção, o chefe da ONU alertou para “um novo risco que está se aproximando no horizonte, que talvez não seja grande, mas é real.”
Guterres falou depois sobre a possibilidade de uma grande fratura. Segundo ele, existe o risco de “o mundo se dividir em dois, com as duas maiores economias da Terra criando dois mundos separados e em competição, cada um com sua moeda dominante, comércio e regras financeiras, com sua própria internet e inteligência artificial.”
Guterres disse que o mundo tem que “fazer todo o possível” para evitar este cenário e manter o sistema universal, com “uma economia universal com respeito pela lei internacional, um mundo multipolar com instituições multilaterais fortes.”
Aquilo a que se chama mudança climática é agora uma verdadeira crise climática.
Clima
O secretário-geral destacou depois o Encontro de Cúpula sobre Ação Climática, que aconteceu na segunda-feira.
Para ele, a emergência climática é uma corrida que o mundo está perdendo, mas é uma corrida que pode ganhar se fizer algumas mudanças nesse momento.
Guterres disse que “até mesmo a linguagem tem que ser adaptada, aquilo a que se chama mudança climática é agora uma verdadeira crise climática.”
Direitos humanos
No século 21, o chefe da ONU acredita que é necessário “ver os direitos humanos com uma visão que fala a cada ser humano e abrange todos os direitos: econômico, social, cultural, político e civil.”
Ele afirmou que “seria um equívoco ignorar ou diminuir os direitos econômicos, sociais e culturais.” Por outro lado, “também seria um erro pensar que esses direitos são suficientes para responder aos anseios das pessoas por liberdade.”
Para Guterres, “os direitos humanos são universais e indivisíveis, não se pode escolher a dedo, favorecendo uns e desdenhando de outros.” Mesmo assim, o mundo “chegou a uma conjuntura crítica, na qual avanços feitos em décadas estão sendo reduzidos e revertidos.”
O chefe da ONU contou que está acontecendo “impunidade em larga escala, incluindo para violações ao direito humanitário internacional.”
Segundo ele, novas formas de autoritarismo estão aumentando, os espaços cívicos estão se estreitando e ativistas ambientais, defensores de direitos humanos, jornalistas e outras pessoas estão sendo alvejadas. Existem ainda sistemas de vigilância, que “expandem seus alcances todos os dias, clique por clique, câmera por câmera, invadindo privacidades e vidas.”
O medo é hoje a marca mais vendida
Migração
Num momento em que números recordes de refugiados e deslocados internos buscam um destino, o secretário-geral disse que a solidariedade está diminuindo. Para ele, não se vê “somente fronteiras fechando, mas também corações.”
Guterres afirmou que “ao redor do mundo, alienação e desconfiança estão se tornando armas” e que “o medo é hoje a marca mais vendida.”
Dirigindo-se “a todos os que insistem na opressão e na divisão”, o chefe da ONU afirmou que “a diversidade é uma riqueza, nunca uma ameaça.”
O secretário-geral disse que “é inaceitável que no século 21, mulheres e homens sejam perseguidos por causa de suas identidades, crenças ou orientação sexual.”
Mulheres
Um dos últimos temas destacados por António Guterres foi a igualdade de gênero.
Ele disse que não se pode esquecer que “a igualdade de gênero é uma questão de poder” e que “o poder ainda está nas mãos dos homens, como se vê em parlamentos, em empresas, e até mesmo esta semana nos corredores e salas de reuniões da ONU.”
O secretário-geral lembrou uma estimativa recente, dizendo que, no ritmo atual, levaria dois séculos para acabar com a lacuna do empoderamento econômico. Ele afirmou que a comunidade internacional não pode “aceitar um mundo” que diz às suas netas que “a igualdade terá de esperar pelas netas das suas netas.”
Encontro
Os 193 Estados-membros da organização irão participar em sessões presididas pelo diplomata nigeriano Tijjani Muhammad-Bande.
De acordo com a ONU, a nova sessão terá como prioridades temas como paz e segurança, erradicação da pobreza, fome zero, educação de qualidade, ação climática e inclusão. As reuniões também darão ênfase aos direitos humanos e à paridade de gênero.
Nesta terça-feira, discursam os presidentes de Angola, João Lourenço, do Brasil, Jair Bolsonaro, e de Portugal, Marcelo Rebelo de Sousa.
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