Lava Jato: MPF recorre para manter em São Paulo processo contra Temer por lavagem de dinheiro
Em decisão que contraria lei e determinações do STF, Justiça Federal remeteu caso para Brasília A Força-Tarefa da Operação Lava Jato em São Paulo quer evitar que uma ação penal contra o ex-presidente Michel Temer seja remetida à Justiça Federal do Distrito Federal – o que poderia acarretar demora no julgamento.
Os procuradores apresentaram um recurso contra a decisão da 6ª Vara Criminal Federal de São Paulo que determinou, a pedido da defesa, o envio a Brasília do processo no qual Temer é acusado, pela própria Força-Tarefa, de lavagem de dinheiro. Entre 2013 e 2014, o ex-presidente tentou ocultar a origem ilícita de R$ 1,6 milhão por meio de uma reforma na casa de sua filha Maristela Temer, na capital paulista. Além de Maristela e do pai, são réus na ação o coronel João Baptista Lima Filho e a mulher dele, a arquiteta Maria Rita Fratezi.
A decisão da 6ª Vara alega que a remessa dos autos é cabível porque haveria conexão entre a ação que tramita em São Paulo e outra em curso no Distrito Federal, na qual Temer também é réu. O processo em Brasília refere-se aos crimes do chamado “quadrilhão do MDB”, grupo de expoentes do partido que embolsou propinas ao longo de uma década a partir de contratos com diversos órgãos públicos.
Segundo o juiz João Batista Gonçalves, o dinheiro que o Ministério Público Federal apontou ter sido lavado na reforma da casa de Maristela está relacionado a esses recebimentos irregulares, o que justificaria o envio da ação à capital federal para que todos os crimes sejam apurados e processados em conjunto.
Os argumentos, no entanto, contrariam a legislação e a jurisprudência de tribunais superiores, que preveem o julgamento dos crimes em ações distintas e autônomas. A Lava Jato destaca que não há fundamento para a vinculação dos processos, uma vez que as provas referentes ao funcionamento da organização criminosa teriam pouca relevância para o prosseguimento da ação que trata da ocultação da origem dessas quantias. “Juntar os processos apenas resultaria em prejuízos à apuração de lavagem de dinheiro”, afirma a FT.
“Não há como se imaginar que a instrução voltada a esclarecer o funcionamento de uma complexa organização criminosa, composta por Michel Temer, Eduardo Cunha, Henrique Alves, Geddel Vieira Lima, Rodrigo Rocha Loures, Eliseu Padilha, Moreira Franco, Joesley Mendonça e Ricardo Saudi, ao longo de mais de 10 anos, e com reflexos em todo o território nacional, possa, concretamente, ajudar a esclarecer condutas específicas – e temporalmente delimitadas entre 2013 e 2014 – de reciclagem de ativos, praticadas em São Paulo, notadamente relacionadas à reforma de um imóvel de uma das filhas de um dos muitos réus que respondem naquele feito em trâmite no Distrito Federal”, destacaram os procuradores.
Eles lembram que a própria Lei 9.613/98, que trata da lavagem de dinheiro, fundamenta-se no princípio da autonomia, estabelecendo o julgamento desse tipo de crime em separado a fim de evitar obstáculos ao processo e garantir o efetivo combate à prática ilícita.
“A reunião das apurações dos crimes antecedentes e acessórios, em feitos distintos, atualmente em fases distintas de instrução e com narrativas fáticas e jurídicas completamente diferentes, em vez de imprimir maior eficácia à ação penal, retardará ainda mais a efetiva prestação jurisdicional, sem qualquer necessidade”, completaram os integrantes da Força-Tarefa.
STF já decidiu – A decisão da 6ª Vara pela conexão dos processos é contrária a decisões do Supremo Tribunal Federal. Em fevereiro deste ano, o ministro Luís Roberto Barroso definiu que, não mais existindo prerrogativa de foro por parte de Temer, o caso Maristela seria remetido à Justiça Federal em São Paulo para prosseguimento. Antes, em outra ação relacionada à Lava Jato na Corte, o então relator Teori Zavascki já havia estipulado que o local de prática do crime é que determina onde os envolvidos serão processados e julgados. O entendimento vem sendo adotado pacificamente pelos tribunais superiores.
O recurso do MPF será julgado no Tribunal Regional Federal da 3ª Região. O número da ação de lavagem de dinheiro contra Temer e os demais réus é 0003466-97.2019.4.03.6181.
MPF