A construção das estradas paranaenses
O general Luiz Carlos Pereira Tourinho escreveu muitos livros sobre a história do Paraná. E também participou dela. Engenheiro de formação, assumiu o Departamento de Estradas de Rodagem, nos anos 1950, com a missão de integrar o Paraná. Leia o relato dele em 1998. Ele morreu no mesmo ano desta gravação, no dia 31 de maio.
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José Wille – Foram vinte anos em várias atividades dentro do Exército. E a construção de estradas e quartéis, como engenheiro?
Luiz Carlos Pereira Tourinho – Eu cheguei com 20 anos e fui para a Estrada da Ribeira. O meu primeiro acantonamento foi em Pedra Preta, que hoje tem outro nome… A estrada era construída pelo Exército. Era a rodovia Curitiba-São Paulo, Curitiba-Capela da Ribeira. Depois, trabalhei também no estudo da estrada de Rio Negro a Lajes, acampando no Vale do Itajaí. Estive também na Curitiba-Joinville e depois fui para a inspetoria de engenharia no Rio de Janeiro. Quando voltei, fiquei como instrutor do CPOR e fui para Guarapuava construir o Regimento de Cavalaria e a Vila Militar. E também projetei um batalhão de infantaria para Laranjeiras do Sul, que era a capital do território do Iguaçu. Depois de lá, voltei para o CPOR, até ser convidado para o Departamento de Estradas de Rodagem, no governo de Munhoz da Rocha.
José Wille – Mas, antes disso, teve uma participação longa na Universidade Federal do Paraná.
Luiz Carlos Pereira Tourinho – Eu fiz concurso de livre-docência, em 1949, para as disciplinas de Estatística Matemática e Economia Política e Finanças. Então, comecei a lecionar, paralelamente, na Escola de Engenharia e no CPOR.
José Wille – Como foi a sua ida do Exército para o DER, para cuidar das estradas do Paraná, no governo Bento Munhoz?
Luiz Carlos Pereira Tourinho – Eu não esperava. Eu estava no quartel e recebi um telefonema. Era o governador eleito, que ainda não havia tomado posse, Bento Munhoz da Rocha, meu conhecido, meu amigo. Eu tinha sido aluno dele em Geologia na escola e ele, por sua vez, foi um aluno brilhante na Escola de Engenharia. Ele me convidou para ser diretor do Departamento de Estradas de Rodagem, confidenciando-me que precisava de um elemento que não tivesse ligação nenhuma com os empreiteiros. Conversamos e ajustamos um prazo para eu pensar. Ao final de 5 dias, depois de consultar os companheiros de política, aceitei a nomeação. E fiquei quase 4 anos no Departamento de Estradas de Rodagem.
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Estrada na região Mandaguari nos anos 1950.
José Wille – Assumindo em 1951, quando muito havia a se fazer pelas estradas paranaenses.
Luiz Carlos Pereira Tourinho – Praticamente não havia estradas. A primeira viagem que fiz ao Norte foi um desastre. Eu saí de Piraí do Sul de manhã para chegar a Jacarezinho de madrugada. Saí de Jacarezinho de madrugada para chegar a Londrina na outra madrugada. Encalhando, encalhando e encalhando… Se eu dissesse que era diretor do DER, seria trucidado pelos motoristas. E, quando voltei de lá, procurei o governador e disse “A única solução para o Norte do Paraná é a pavimentação asfáltica. Se nós não fizermos isto, perderemos o Norte, pois ele pode se separar do Paraná”. Eles diziam que nós éramos o Paraná Pamonha e eles, o Paranapanema.
José Wille – E a presença paulista e mineira era muito grande no Norte do Paraná.
Luiz Carlos Pereira Tourinho – Só havia presença paulista e mineira. Eles diziam que, de Curitiba, no governo do Manoel Ribas, só iam para lá prefeitos nomeados e delegados de polícia truculentos. Era o que eles diziam. Então, disse ao governador para iniciarmos a pavimentação naquela região, pois na Cambé-Londrina já rodavam 4 mil veículos por dia. Esse era o movimento da via Dutra.
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Outro ponto perto de Mandaguari, nos anos 1950.
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José Wille – E como foi a execução desse trabalho, inclusive a abertura da ligação – que ainda não existia – entre Sul e Norte do estado?
Luiz Carlos Pereira Tourinho – A Estrada do Café, é preciso que se diga, começou praticamente no governo do Lupion. Mas com pá, picareta e galeota! Quando eu assumi, encontrei empreiteiras com 30 quilômetros de tarefa, trabalhando com pá e picareta. Eu quis rescindir o contrato para poder executar o serviço, mas o Tribunal de Contas tinha elementos do próprio Lupion. Não que o Lupion interferisse, era um homem que não fazia isso. Mas os dois membros do Tribunal impugnaram a rescisão desse contrato. De modo que nós continuamos a terraplenagem dessa estrada e não pude asfaltá-la, porque ela não estava pronta. Mas implantamos o serviço de aerofotogrametria, o primeiro no Paraná. Fizemos o reexame do traçado. Iniciamos com a estrada de Curitiba a Ponta Grossa, desviando Palmeira e encurtando 10 km entre Curitiba e Ponta Grossa. E, depois, retificamos Ponta Grossa – em vez de ir a Tibagi, fomos direto a Ortigueira, economizando 30 quilômetros. A economia entre Curitiba e Apucarana foi de 40 quilômetros. Isso, hoje, com 5 mil veículos por dia, corresponde a uma barbaridade em economia de estradas. É pena que esses problemas técnicos não sejam entendidos pelos políticos.
José Wille – Depois, houve a ligação até o Norte Novo e a chegada até Alto Paraná, já perto de Paranavaí. Essa abertura também foi nesse período, no começo da década de 50, quando o senhor estava no DER.
Luiz Carlos Pereira Tourinho – Deu-se nesse período. Dizia-se lá – me recordo – que “pela primeira vez na história do Paraná, ouve-se o ronco das máquinas de Estrada de Rodagem até a meia-noite”. Realmente, nós abrimos a nova estrada com 14 metros de largura, desde Melo Peixoto até Alto Paraná, para depois ser pavimentada.
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Abertura da estrada entre Londrina e Maringá, onde nasceria a cidade de Mandaguari. Acervo do professor João Bigarella.
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José Wille – O que possibilitou a criação daquelas cidades e a colonização daquela região toda?
Luiz Carlos Pereira Tourinho – Sim. Já havia uma corrida extraordinária para o Norte do Paraná. Era uma coisa nunca vista no Brasil o que acontecia lá.
José Wille – Por que acabou sendo feita apenas a pavimentação de Londrina em direção a Cornélio Procópio e não a da estrada que cruzava o Paraná, de Norte a Sul?
Luiz Carlos Pereira Tourinho – Porque a base não estava pronta, não tinha condições… A Estrada do Café, hoje chamada Rodovia do Café, não estava pronta. E não havia condições de arrumá-la, porque o Tribunal de Contas não deixava. Ele impedia a rescisão de contrato com as empreiteiras, que não tinham capacidade para concluir o trabalho.
José Wille – O Plano Rodoviário do Paraná foi pensado nesse momento em que o senhor esteve à frente do DER. O senhor fez esse planejamento, que viria a ser o traçado rodoviário do Paraná moderno?
Luiz Carlos Pereira Tourinho – A elaboração do planejamento rodoviário foi interessante, porque foi a primeira vez que se falou no Paraná de um plano baseado em estudos econômicos, geológicos, físicos etc. A intenção era fazer com que o porto de Paranaguá competisse com o porto de Santos. Eu me recordo muito bem que havia um trabalho do Coronel Mario Travassos dizendo que o porto de Paranaguá cada vez mais perdia valor em relação ao porto de Santos. Então, baseei-me nesse trabalho, criando cinco grandes troncos diretos para Paranaguá. Por ser o Paraná um estado destinado à exportação e não à importação, esses troncos, vindos das barrancas do Paranapanema e do Paraná, seriam dirigidos necessariamente para Curitiba. E temos a felicidade de que na Serra do Mar existem três gargantas no nível de Curitiba. Então, para transpor a Serra do Mar, não é necessário subir. Nós saímos de Curitiba a 900 ou 950 metros e passamos a serra também na mesma altitude. Ninguém pode competir com o Paraná! Hoje, essa ponte construída em Guaíra, que já foi objeto de estudo no tempo do Monteiro Tourinho, em mil oitocentos e setenta e pouco, no projeto de estrada de ferro, já estava na filosofia do plano rodoviário de entrar no estado de Mato Grosso e ligar toda essa região. Porque o que pouca gente sabe é que a vasta curva que descreve o litoral sul-brasileiro faz de Paranaguá o trecho do Atlântico mais próximo do Pacífico. Então, se nós ligarmos Paranaguá a Santos e levantarmos uma linha perpendicular, toda essa região, que os europeus chamam de Trópico de Capricórnio, uma das regiões mais ricas do mundo, estará mais próxima de Paranaguá do que de Santos. Santa Cruz de La Sierra, na Bolívia, está mais próxima de Paranaguá do que de Santos. Então, competia à engenharia do Paraná criar um plano que pudesse atrair essas regiões todas. Foi o que se fez com o plano rodoviário. Essa era a filosofia do plano rodoviário.
José Wille – A Estrada do Café é atribuída ao governo Ney Braga. Na verdade, o senhor acha que ela é anterior?
Luiz Carlos Pereira Tourinho – Ela começou no governo Lupion e foi continuada no governo Munhoz da Rocha, porque não havia condições de acabá-la. Depois, praticamente foi concluída no segundo governo de Lupion. Ney Braga a melhorou e a pavimentou. Mas a estrada vem desde o governo do Lupion.
José Wille – Sobre o período de Manoel Ribas, que ficou 13 anos à frente do Paraná – Ribas era de Ponta Grossa, mas esteve muito tempo no Rio Grande do Sul. O senhor fez um estudo sobre essa época da administração, que terminou em 1945, com este interventor indicado por Getúlio Vargas.
Luiz Carlos Pereira Tourinho – É muito difícil escrever história. Os nossos historiadores geralmente não conhecem geografia, muito menos técnica. De modo que grande parte da história é copiada dos jornais da época. Nós vivíamos em uma época de arrocho e a imprensa só publicava aquilo que o governo queria. É interessante o seguinte: dando-se um balanço na administração do Manoel Ribas, verifica-se que, em 13 anos, ele não aumentou um quilowatt na potência instalada no Paraná, nem fez um quilômetro de estradas asfaltadas. A grande glória que dão a ele é a construção da Estrada do Cerne. E essa estrada é um crime, porque, quando chegou a Castro, deveria vir por Ponta Grossa, Palmeira, Campo Largo e depois Curitiba, que estavam a novecentos e poucos metros. Estranhamente, ele abandonou essa região, o traçado dos tropeiros por cima dos Campos Gerais, e mergulhou a estrada nessa bacia do Ribeira do Iguape, que é a única região do Paraná não propícia ao traçado de estradas das vias de superfície. A travessia do Ribeirinha e do Assungui exige subidas e descidas de setecentos, oitocentos metros. Ao final, o sujeito sai de novecentos metros para chegar a Curitiba a novecentos metros, mas tem que descer setecentos metros duas vezes. Então, ele desceu e subiu 1400 metros de graça. Isso ninguém percebe.
José Wille – O senhor acha que faltava conhecimento ao interventor na época para ter essa visão estratégica do Paraná?
Luiz Carlos Pereira Tourinho – Faltava absolutamente o conhecimento. O Manoel Ribas viveu 30 anos no Rio Grande do Sul. Esses problemas não se adquirem de um dia para outro. Esses problemas são difíceis. É preciso conhecer a topografia do estado e a economia do estado para poder projetar uma estrada. Não é uma coisa fácil. Por exemplo, no governo Lupion, ele mandou criar a Antonina-Jaguariaíva. Inclusive, emitiu cem mil cruzeiros em apólices para financiá-la. Mas para trazer o que de Jaguariaíva para Antonina? Boi?
José Wille – O senhor acha que também ao governo Lupion faltava essa visão?
Luiz Carlos Pereira Tourinho – Faltava essa visão… O Lupion era um sujeito inteligente, muito inteligente, mas não tinha conhecimento da coisa pública. De modo que ele atacou vários serviços, inclusive a Curitiba-Paranaguá, que era uma obra importantíssima, mas tinha um contrato absurdo – um contrato verdadeiramente absurdo com uma empresa que se comprometeu a concluir a estrada Curitiba-Paranaguá, pavimentada e com duas pistas, em 26 meses, enquanto São Paulo tinha começado a Via Anchieta no governo Ademar de Barros em 1936, e ainda não a tinha concluído. Acontece que no contrato dizia que eram 26 meses após a entrega da última nota de serviço. E como os empreiteiros da construção eram os mesmos empreiteiros do estudo, não se entregava a última nota de serviço e não se acabava a estrada. Procurei anular o contrato, mas só mais tarde, no governo do Ney Braga, ele foi anulado e a estrada entregue ao DNER. E o Paraná se sentiu incompetente para construir essa estrada.
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