Mulheres ganham espaço na agropecuária, mas são apenas 19% dos produtores
Aos 22 anos, Carmen Perez assumiu a direção de uma fazenda em Barra do Garças, município no interior do Mato Grosso. Criada em São Paulo, Carmen passou boa parte da infância frequentando a fazenda do avô que, no fim da vida, passou a propriedade para o nome dos filhos. Diante da intenção de venda da propriedade por parte da família, a jovem resolveu aprender a administrar a fazenda e nunca mais saiu de lá. Hoje com 4 mil hectares e 2,8 mil cabeças de gado, a fazenda Orvalho das Flores se destaca por ter implementado práticas de bem-estar animal.
Carmen faz parte de uma minoria que cresceu nos últimos anos: a de mulheres dirigindo um estabelecimento agropecuário. De acordo com o último Censo Agro são 946,1 mil mulheres que trabalham como produtoras, o que representa 19% do total, superando os 13% registrados em 2006. “Acho que estava tão obstinada em assumir a direção e conhecer o negócio, que não considerei o fato de eu ser mulher como um limitador. Sempre tentei usar isso como uma forma de parceria, da visão masculina com a feminina, que são visões muito diferentes e quando se unem existe um complemento”, declara a pecuarista.
Entre 2017 e 2018, Carmen foi presidente do Núcleo Feminino do Agronegócio, uma entidade que nasceu a partir da necessidade das mulheres do setor se reunirem para compartilhar a experiência na gestão. “Era um universo muito masculino mesmo, então elas resolveram criar o núcleo, que foi aumentando. Fazemos nove reuniões anuais de forma presencial. É um grupo para gestoras, para pessoas que realmente estão à frente do negócio”, afirma. Em 2019, por exemplo, o grupo de mulheres fez uma visita técnica a Israel para conhecer novas tecnologias.
União na agricultura
A aproximadamente 1.100 quilômetros de distância da fazenda de Carmen, a mineira Dayany de Assis administra meio hectare de terra com plantação de café orgânico. Quando criança, Dayany passava as férias no sítio dos avós e, mais tarde, começou a trabalhar na lavoura deles. Mas foi há 11 anos, quando se casou, que ela resolveu assumir a agricultura como profissão. “Meu marido tinha um hectare e meio de terra, com plantação de café convencional. Eu comecei a trabalhar junto com ele e depois conheci o grupo de mulheres produtoras de café orgânico e me identifiquei muito”, relata a produtora, que comprou um pedaço de terra para realizar o sonho de plantar café orgânico.
O grupo Mulheres Organizadas em Busca de Igualdade (Mobi), do qual Dayany é coordenadora hoje, nasceu com o objetivo de dar voz às mulheres na Cooperativa de Agricultores Familiares de Poço Fundo e Região (Coopfam). A história do grupo mistura-se a de suas integrantes desde o seu início, em 2006.
Uma delas é a de Dona Maria, que ficou viúva e não tinha direito ao voto nas decisões da cooperativa. “Ela era a única mulher na fila para votar e não tinha direito ao voto porque a cota era no nome do marido dela. Foi uma situação muito difícil. A partir daí o grupo foi se fortalecendo e foi fazendo mutirão na casa dela para colher o café. Foi criando mais força, mais resistência”, relata Dayany. Atualmente todas as mulheres que são cooperadas na Coopfam têm direito de votar.
“Nós mulheres sentimos a necessidade de nos organizar, de ter direito a voz na nossa cooperativa. Desde o início era evidente que a gente precisava se organizar porque a gente não tinha direito a voto. Cada voto é por cota e essa cota ficava no nome dos maridos. O nosso espaço de fala não era respeitado. Senti a necessidade de nós mulheres ocuparmos nossos espaços e de aumentar nosso nível de conhecimento para ter como responder ao machismo”, declara Rosângela Paiva, uma das fundadoras do grupo.
Nascida e criada na zona rural de Minas Gerais, Rosângela hoje tem como principal fonte de rendimento a produção de tomates orgânicos. Ela também faz parte de outro perfil de produtora: a que compartilha a direção do estabelecimento com o marido.
O Censo Agro 2017 pesquisou pela primeira vez o compartilhamento de direção nos estabelecimentos. São 1.029.640 estabelecimentos compartilhados pelo casal, o que representa 20% do total, sendo 817 mil mulheres dividindo a direção com o cônjuge. “Então além da mulher ter aumentado na direção diretamente, agora ela aparece também na direção compartilhada”, explica o gerente técnico do Censo Agropecuário, Antonio Carlos Florido.
Empreendedorismo no campo
A Bahia é o estado com o maior número de mulheres que assumiram a direção de um estabelecimento agropecuário. Elaine dos Santos é uma das 303,7 mil mulheres que estão à frente do trabalho no campo no estado, número que considera produtoras que compartilham a direção com o cônjuge ou não. Desde os 17 anos, ela trabalha como agricultora na região de Valença, município litorâneo a 124 km da capital baiana.
Hoje com 27 anos, Elaine cultiva café, banana e mandioca em uma área de seis hectares. “Dedico-me à minha propriedade. Hoje minha fonte de renda é exclusiva da agricultura”, declara a produtora que, ao aplicar novas técnicas no estabelecimento, conseguiu aumentar a produtividade: passou de nove toneladas de mandioca por hectare para 30 toneladas utilizando a mesma área.
“Desde pequena sou apaixonada pela agricultura. Meus pais são agricultores, e isso ajudou a fortalecer ainda mais esse vínculo com o campo. Fui ganhando respeito e conquistando meu espaço, mostrando que nós mulheres somos capazes, sim, de cuidar dos afazeres da roça, vencendo o preconceito”, defende.
IBGE