O radialista Arthur de Souza ficou 29 anos no ar
Arthur de Souza, com o programa “Revista Matinal”, foi líder em audiência durante décadas no rádio de Curitiba. Formado em Direito, ingressou na carreira política, elegendo-se deputado estadual várias vezes. Esta entrevista foi gravada em setembro de 1997, e ele morreu em 2006, aos 83 anos.
José Wille – O senhor nasceu em 1922, em Ponta Grossa, e o seu primeiro contato com o rádio foi quando chegou um aparelho em sua cidade…
Arthur de Souza – De fato, foi um fotógrafo de Ponta Grossa chamado Bianchi que trouxe um rádio na época. Meu pai era muito amigo dele, então fomos convidados a escutar rádio na residência dele. Eu fiquei fascinado, foi o meu primeiro contato, eu tinha 6 anos de idade.
José Wille – Tinha sintonia de emissoras estrangeiras?
Arthur de Souza – Pegávamos muito a Argentina naquele tempo.
José Wille – O senhor acha que foi aí o momento que marcou o interesse pelo rádio, que, mais tarde, veio a ser sua carreira?
Arthur de Souza – Eu acredito que sim, mas depois o rádio começou a se dissipar. Na época, o interesse dos jovens era muito grande, era uma maneira de ouvir música. Mais antigamente, quando chegava a véspera de carnaval, as moças e os rapazes ficavam na frente das casas de discos, escutando as marchinhas e aprendendo as letras para saber cantar nos clubes depois, porque não havia rádio. E o curioso era que aprendiam e cantavam animadamente!
José Wille – Mas a música mesmo, só com a chegada do rádio é que as pessoas tiveram acesso?
Arthur de Souza – Sim.
José Wille – Um irmão seu trabalhava montando receptores de rádio?
Arthur de Souza – Por força de um amigo em Ponta Grossa, Bufara – um senhor que tinha uma casa de meias, que gostava muito de rádio também e sabia os esquemas para montá-los naquele tempo. Depois, ele se formou em Engenharia, porque gostava muito desse ramo, e foi da Eletrobrás, inclusive. Era o rádio Galena – muita gente não sabe o que é – era feito com a pedra galena. Nesta pedra galena, havia um transformador; como não tinha eletricidade, a força estava ali naquela pedra. Com uma agulha e com um fone de ouvido, a pessoa procurava na pedra, até que, com aquele condensador e tudo, entrava a estação no rádio galena, que corresponde hoje ao rádio de pilha. Enfim, o meu irmão começou a montar rádio por este esquema e veio antes de mim para o rádio, em Curitiba.
José Wille – Por que montar rádio? Não havia ainda industrialização, que permitisse a compra de aparelhos?
Arthur de Souza – Não, não havia. Quem queria rádio montava, e não era com alto-falante, era com fone de ouvido, esses rádios que a rapaziada montava. Esse primeiro que eu fui ouvir tinha alto-falante.
José Wille – Antes do surgimento da primeira emissora em Ponta Grossa, o senhor trabalhou um tempo como locutor no cinema da sua cidade. Como foi?
Arthur de Souza – Foi uma maneira de eu começar a praticar a locução, porque, quando eu soube que uma estação ia ser fundada, que Ponta Grossa ia ter a PRJ2, como eu era amigo do dono do cinema “Renaissance”, conversei com ele e passei a fazer um programa na cabine do cinema. Quer dizer, o microfone era na cabine do cinema e a audiência era na plateia, porque naquele tempo não havia televisão e a maior atração para a moçada era o cinema. Naquele tempo, as moças não tinham essa liberdade que têm hoje de sair a hora que querem – moça, de noite, não saía sozinha, só saía acompanhada da mãe ou de alguém da família. Então, o cinema era um pretexto para ver o namorado… Acontecia que as moças chegavam cedo ao cinema, se encostavam na poltrona – mas de costas para a tela – e ficavam vendo a entrada do cinema, por onde os rapazes chegavam e, às vezes, até consentiam que eles viessem sentar ali… Então, o que eu fiz? Eu passei a irradiar música da cabine para essa mocidade. Assim, eu me capacitava como se estivesse num estúdio de rádio. Na minha imaginação, eu estava fazendo a maior rádio do mundo. Fazia propaganda, passei a vender textos, eu me sentia como diretor de uma rádio, tocava as músicas, coisas assim… Então, adquiri alguma tarimba para a locução. Quando a J2 abriu um concurso para locutores, eu me inscrevi e, graças a Deus, fui aprovado.
José Wille – Como era essa primeira emissora de rádio em Ponta Grossa, na década de 40?
Arthur de Souza – Era a primeira estação, mas o pessoal que dirigia a rádio ia muito a São Paulo, ao Rio. Então, a estação tinha um esquema igual ao das outras estações. Nós tínhamos gerente, éramos muito bitolados, tendo muito cuidado nos improvisos que fazíamos. Era tudo assim, em função do que a direção queria… Depois é que se foi conquistando uma liberdade, uma autonomia.
José Wille – No início, o que era a rádio: tocar música, fazer noticiário?
Arthur de Souza – Era música, noticiário… As notícias eram pegas por estenógrafos, até por telégrafo.
José Wille – Era um trabalho de radioescuta?
Arthur de Souza – É, era algo assim. Esse noticiário vinha para nós e a gente lia. O esquema era muito parecido com o de uma estação de hoje.
José Wille – A atenção era grande, com Segunda Guerra Mundial e as pessoas estavam preocupadas com o que acontecia na Europa…
Arthur de Souza – De fato. Os noticiários funcionavam em função da guerra. Ou era uma cidade que caía, ou uma batalha que se travava, ou uma tropa que embarcava, ou às vezes era um acontecimento triste, de aviões da Força Expedicionária Brasileira que foram abatidos… Nossos jovens estavam lá lutando, os pracinhas… Então, inegavelmente, tudo isso era transmitido, porque interessava aos pais e a todo mundo. Tanto assim que a ideia que se tinha era que, se a guerra terminasse, os noticiários acabariam. Que o rádio ia transmitir música e que não teria mais notícia.
José Wille – Em que circunstâncias foi a sua vinda para Curitiba, em 1943? Por que o senhor resolveu ficar por aqui?
Arthur de Souza – Eu perdi meu pai quando tinha 15 anos de idade. Meu pai tinha sido gerente de banco, eu tive uma infância muito boa, muito assistida por ele, um pai amigo, que tinha um diálogo conosco – comigo e com meu irmão – que dificilmente os pais de hoje têm; então, era um pai que nos fez muita falta. Nós tínhamos uma chácara onde ele mandou fazer uma porção de aparelhos de ginástica, um balanço… Era o paraíso para nós. E, então, meu pai teve um revés enorme na vida, porque o banco Pelotense, do qual ele era gerente em Ponta Grossa, na Revolução de 1930, fechou. Um dia, chegaram vários funcionários do banco na chácara, e eu vi mamãe chorando e papai abatido. Ele sofreu muito. Quando ele chegou em Ponta Grossa, o banco estava numa situação de poucos depósitos. Ele fez amizades e, então, o pessoal dizia “Senhor Souza, se o senhor sabia que o banco ia fechar, por que não nos avisou?”, mas ele não sabia. E aí perdemos o papai. Em função disso, ele ficou doente, não melhorou mais e morreu de desgosto – eu tinha 15 anos de idade quando ele morreu – e a mamãe ficou com uma pensão do banco, que estava em liquidação… Pode imaginar o que foi… E o meu sonho era continuar meus estudos, assim como era o do meu irmão e da minha irmã também. E o rádio foi o que propiciou isso, a carreira de radialista. Quando a estação começou, foi meu primeiro trabalho.
José Wille – E o senhor veio para Curitiba fazer o CPOR. Havia possibilidade de ir para a Segunda Guerra?
Arthur de Souza – Nós estávamos em guerra, então eu iria ser chamado a qualquer momento pelo Exército. Achei que podia fazer o CPOR e ir como oficial, mas era em Curitiba e eu não tinha como pagar pensão ou casas de família que albergavam estudantes do interior. E, em uma ocasião, meu irmão foi nos visitar em Ponta Grossa de motocicleta, choveu torrencialmente e ele tinha que voltar para Curitiba, para trabalhar, porque ele já estava na PRB2. Então, ele teve que deixar a máquina e depois telefonou me pedindo que a trouxesse a Curitiba. E fiz relacionamento com o pessoal do rádio, chegando a fazer locução por curiosidade, fiz uma ponta… Depois de um ou dois meses, ele ligou, dizendo que havia uma vaga de locutor na PRB2 e perguntou se eu queria vir para Curitiba. Eu não esperei que ele terminasse a ligação e vim. Foi como eu comecei a trabalhar em Curitiba. Matriculei-me no CPOR, passei a fazer o curso de oficial de reserva e, quando terminou a guerra, eu saí como aspirante. Não precisei ir para a Itália, mas fiz toda a cobertura da guerra como locutor.
José Wille – Já trabalhando em Curitiba na PRB2?
Arthur de Souza – Já trabalhando em Curitiba e com um sonho que alimentava, que era poder ir para a universidade. Por isso, digo que o rádio foi meu grande pai, porque me propiciou tudo isso.
José Wille – No CPOR, em 1943, em Curitiba, o senhor temia ter que lutar na Itália, na Segunda Guerra?
Arthur de Souza – Os jovens, naquela época, viam muito cinema e muito filme de guerra que retratava os Aliados. Então, a gente sonhava em ir para o campo de batalha. Era uma aventura… Os que voltavam contavam tanta coisa que a gente ficava entusiasmado. No CPOR, a disciplina era rigorosíssima. Se o aluno não progredisse, era desligado e, desligado, ia para a Itália, para o corpo de tropa. A gente estudava muito e se sentia capacitado, achava que era guerreiro, aquela ilusão… Só de vez em quando a gente sabia de amigos que morreram e daquela tristeza toda.
Quando terminei o CPOR, terminou a guerra.
José Wille – O rádio, naquele tempo, começava tarde, às 9 da manhã. Como funcionava?
Arthur de Souza – Começava às 9 da manhã. Quando criei a Revista Matinal, passou a começar às 8. Então, das 8 às 9, era o meu programa; depois, continuava com a programação normal. Com uma curiosidade: o rádio, naquele tempo, parava às 2 da tarde, quando os transmissores eram apagados, porque as válvulas esquentavam tanto que precisavam ser resfriadas com água. Havia um tanque, onde ficava o transmissor que refrigerava as válvulas. Outra curiosidade: a linha de transmissão era por fios; então, do estúdio até o Atuba, as linhas eram como fio telefônico. De vez em quando, acho que por gaiatice de um guri, o circuito das linhas era fechado; então, o engenheiro, que tinha uma caminhonete, nos levava junto para localizarmos onde tinha acontecido a interrupção daquela linha.
José Wille – A Clube ficava ali no centro, na Barão do Rio Branco?
Arthur de Souza – Sim. Outra coisa curiosa: o radiotransistor foi uma grande coisa na vida do rádio, porque os rádios eram de válvulas, ligadas na luz, e aquelas lâmpadas tinham que ficar acesas. E nos automóveis, às vezes, o sujeito ficava ouvindo algum jogo de futebol e, quando ia dar a partida, o carro não pegava, porque a bateria tinha descarregado. Esse pessoal que morava em colônia tinha duas baterias, porque trazia uma para carregar, enquanto escutava o rádio com a outra.
José Wille – O rádio transistorizado só veio muito mais tarde. Até aí, o rádio não acompanhava as pessoas.
Arthur de Souza – Sim, porque era pesado. O portátil só veio depois do transistor.
José Wille – Havia a concorrência de rádios de fora? As pessoas ouviam aquelas grandes rádios de São Paulo e Rio ou se interessavam também pela rádio local, que falava de Curitiba?
Arthur de Souza – A rádio das cidades grandes era uma grande atração, por causa dos locutores da época. As estações argentinas também eram muito ouvidas no Brasil. E era comum, quando um locutor ia começar a carreira, imitar um dos figurões da época. Então, não havia naturalidade, aquele caráter próprio…
José Wille – O senhor disse que o auditório da rádio PRB2 era isolado do público. Era separado por um vidro?
Arthur de Souza – Nós até chamávamos de aquário, porque era um vidro enorme, como de uma vitrine. Então, os artistas, a orquestra, tudo isso ficava ali dentro. O auditório era um plano inclinado atrás desse vidro. O assistente podia gritar o quanto quisesse, podia aplaudir, fazer o que quisesse, que não perturbava a transmissão. Mais tarde, a rádio mudou da Barão do Rio Branco para a Monsenhor Celso, para uma grande reforma. Daí, sim, fez-se um palco grande, com cortina que abria e tal. Mas isso só aconteceu depois de muito tempo.
José Wille – Esse isolamento com o vidro certamente tirava a vida do programa, sem interação com o público que estava ali assistindo.
Arthur de Souza – Tirava, mas tinha a vantagem de que o som era muito mais puro, porque não havia a interferência do auditório. Mas, em compensação, não tinha palmas. Havia ocasiões em que se usava um disco de palmas. Quando o operador precisava dar calor a uma apresentação, era o disco que aplaudia, não o público.
José Wille – Os artistas que passavam por Curitiba tinham, então, presença obrigatória. Estavam ali para divulgar seu trabalho.
Arthur de Souza – E acontecia o seguinte também: nós estávamos em plena época do jogo. Então, o jogo precisava alimentar a vida noturna e os cassinos traziam grandes artistas, grandes cartazes para Curitiba. Quando grandes artistas vinham para o Rio de Janeiro e São Paulo e depois iam para Porto Alegre, não deixavam de passar por Curitiba, em função de terem aqui um contrato garantido, que o cassino Ahú lhes propiciava. A rádio tinha um convênio com o cassino Ahú, de forma que o artista que se apresentava lá apresentava-se também na rádio. Algumas vezes, nós irradiávamos diretamente do cassino Ahú. Com isto, a elite curitibana frequentava o cassino, porque queria ver seus artistas favoritos e era uma maneira de fazer um bico na roleta. Portanto, o jogo tinha grande afluência por causa desse grande público, que era atraído também por esses artistas.
José Wille – E a presença do curitibano no auditório era grande? As pessoas acompanhavam os programas?
Arthur de Souza – Era grande a presença. O auditório estava sempre lotado. Mormente depois que a rádio fez essa reforma, pois o palco ficou grande e as acomodações para o público também eram largas.
José Wille – O senhor lançou um programa com um nome curioso: Desfile de Fantasmas. Como era?
Arthur de Souza – O Desfile de Fantasmas foi feito para aquelas pessoas inibidas, que não têm coragem de se apresentar no microfone, mas têm boa voz, cantores de banheiro. Essas pessoas tinham medo do insucesso no palco, então não se apresentavam. Aí, tivemos essa ideia. Se ninguém sabe quem ela é, se for vaiada, se não cantou direito, se interrompeu ou desafinou… Então, tinha um capuz preto, como um fantasma, e a pessoa punha aquilo e cantava. Se ia até o fim e era aplaudida, o auditório exigia que tirasse a fantasia, porque queria saber quem cantou. Tirava e era mais aplaudida ainda. Se errava, ia lá para dentro e ninguém sabia quem era. Tinha gente que ia e cantava muito bem e tinha gente que não cantava nem cinco palavras e já era gongada…
José Wille – E tinha aqueles que, mesmo aplaudidos, não queriam tirar o capuz, com vergonha?
Arthur de Souza – Não, não tinha, não. Quando a pessoa tinha sucesso, ela deixava que tirassem o capuz.
José Wille – Esse foi o seu primeiro programa de sucesso no rádio?
Arthur de Souza – Sim, foi esse.
José Wille – Políticos usavam já o rádio, nas décadas de 40, de 50? Como era a presença deles no rádio?
Arthur de Souza – Não havia programas políticos como há hoje, inclusive horários gratuitos, como a gente vê na televisão. O político vinha à rádio quando havia oportunidade para abordar algum assunto ou quando era convidado pela emissora. Acontecia que nós de rádio forçosamente tínhamos certa penetração perante o eleitor, por causa das ideias que abordávamos, assuntos e brigas que a gente comprava, como se vê hoje também. Havia um estreitamento entre o ouvinte e a personagem de rádio.
José Wille – O senhor diz que era pouco comum uma entrevista. Mas alguns professores universitários faziam palestras através do rádio… De que forma?
Arthur de Souza – Isso acontecia muito. Porque Curitiba é uma cidade universitária e o pessoal da rádio trazia essa gente para aumentar o nível da programação. E, com isto, muitos professores vinham e faziam palestras.
José Wille – Eram professores universitários que iam lá e, sem a presença de um entrevistador de apresentavam?
Arthur de Souza – Sim. Não era uma entrevista. O professor vinha e abordava um assunto que estava naquele momento em evidência.
José Wille – E o surgimento do radioteatro?
Arthur de Souza – Quando surgiu, a princípio não era um corpo de radioteatro efetivo. Era gente de boa vontade que gostava de teatro e vinha compor o elenco da rádio, voluntários… A primeira peça transmitida pela B2 foi “A Ceia dos Cardeais”, não lembro dos figurantes, mas eram três pessoas que a apresentaram. Depois, veio a novela propriamente dita. E o interessante era como eram feitos os efeitos sonoros, a sonoplastia. O sonoplasta fazia os sons ali dentro do estúdio, enquanto a peça era encenada. Então, se havia uma tempestade, pegava uma folha grande de zinco e balançava, aquilo parecia trovão, vento… Um galope de um cavalo era feito com cascas de coco, que ele batia no peito e nas pernas. Depois, começaram a chegar os sons gravados, efeitos sonoros que iam enfeitar o quadro.
José Wille – Como foi a chegada do futebol na rádio?
Arthur de Souza – A chegada do futebol foi curiosa. Um dos membros da casa arvorou-se em locutor esportivo, porque conhecia futebol e tal e foi fazer a irradiação. Mas era assim “ali vão eles com a pelota, eles vão chutar, agora fizeram gol…”, mas não dizia quem chutou, quem fez o gol. Ainda se fosse televisão, tudo bem. Mas, para rádio, o pessoal ficava completamente vendido.
José Wille – O senhor tem histórias curiosas também do tempo do rádio a bateria. A bateria tinha que ser recarregada?
Arthur de Souza – Tem um fato que era contado lá na rádio. Eu não sei, não presenciei. Talvez seja apenas folclore. Contavam que, em uma colônia aqui perto de Curitiba, escutavam muito a missa, pois era pessoal devoto, e gostavam muito de mazurca e de polca. E o colono comprou um rádio de bateria, levou-o entusiasmado e, no primeiro domingo, ouviu a missa, ouviu as músicas que ele preferia. E estava encantado, ele e a família toda! Então, de repente, o rádio parou. Simplesmente parou e ele foi reclamar, foi pedir um rádio novo. “Nós esquecemos de dizer que a bateria descarrega. Tem que recarregar a bateria. Traga aqui aquela caixa preta, assim, assim, que nós recarregamos”. Então, ele disse “Faz favor, carrega metade de missa e metade com polca e valsa”.
José Wille – Mas o senhor também teve seus momentos curiosos no rádio.
Arthur de Souza – Eu tive um aqui em Curitiba. Em certa ocasião, um colega meu, operador, me pregou uma peça. Ele já tinha uma meia rasgada, pegou uma tesoura e deixou-a ainda mais rasgada. E eu, fazendo o jornal falado, quando levantei a cabeça e vi aquele pé, não teve jeito, tive que rir.
José Wille – E a história do pavilhão nacional?
Arthur de Souza – Ah, essa foi em Ponta Grossa! Eu estava fazendo uma solenidade com o prefeito e várias autoridades na praça da estação. Então, tocou o Hino Nacional e o prefeito começou a levantar a bandeira do Brasil. E eu disse “nesse momento, está sendo erguido o pavimento nacional…”. O prefeito me cutucou e disse “o pavilhão”… (risos)
José Wille – Mais tarde vieram outras emissoras, a Marumby, a Guairacá. Mas até aí o senhor era o único em Curitiba no horário.
Arthur de Souza – Primeiro, veio a Marumby, do Biluzinho Macedo, um entusiasta de rádio, que concretizou um antigo sonho: ter uma rádio. Mas o transmissor era em Campo Largo, o estúdio era em Curitiba. Eles anunciavam “Rádio Marumby de Campo Largo”. Depois, veio a Guairacá. Foi um investimento grande e fazia frente com a PRB2. Era a rádio de Moisés Lupion – uma rede, na verdade, porque ele montou várias e, inclusive, tirou muitos locutores nossos. Valores do rádio e outros medalhões da época foram absorvidos pela rádio Guairacá. Então, passou a haver uma certa rivalidade, o que foi muito bom para o ouvinte, porque as estações se sentiram na obrigação de fazer uma rádio melhorada.
José Wille – Quando o senhor começou a se sentir uma pessoa conhecida na cidade – uma celebridade até – porque o rádio estava presente em toda a cidade. Isso alterou alguma coisa em sua vida?
Arthur de Souza – Vai muito da formação da pessoa. Eu sempre fui muito humilde. Então, eu nunca me deixei entusiasmar pelo sucesso, por essa empolgação, nunca tive isso. A gente era conhecido por ser a única rádio de Curitiba. Então, automaticamente, éramos ouvidos, quer dizer, nós éramos impostos ao ouvinte: ou nos ouviam ou não tinham a quem ouvir. Então, nunca senti isso. Outra coisa curiosa: o sujeito que ouve rádio sempre imagina como seria a figura dona daquela voz. Então, havia pessoas que me escutaram durante anos e, quando eu era apresentado pessoalmente, elas diziam “esse é o Artur de Souza? Eu pensava que era um grandão!”. Imaginavam isto em função do tom de voz, da maneira como eu falava…
José Wille – O rádio deu-lhe a possibilidade de fazer o curso de Direito na Universidade Federal?
Arthur de Souza – Era o meu grande sonho. Quando vim para Curitiba, o CPOR era uma necessidade, por causa da guerra. Mas o sonho era poder fazer um curso superior. Eu gostava muito de advocacia desde garotão em Ponta Grossa e admirava aqueles medalhões que havia lá. O rádio propiciou isso, porque, como havia uma turma que estudava – uns Medicina, outros Engenharia, Direito… – a gente fazia uma combinação com os horários, de modo que todos pudessem trabalhar e se formar. Eu ganhava pouco, o ordenado não dava para nada, mas, mesmo assim, consegui levar o curso adiante e me formei. A direção da rádio foi sempre muito amiga e, para comprar o meu primeiro automóvel, me emprestou uma parte do dinheiro e, com algumas economias que eu já tinha, concretizei o sonho do carro. Nossos corretores de propaganda não iam aos lugares mais distantes, porque de ônibus tinham preguiça. Então, eu comecei a procurar anunciantes, como fábricas, e isso trouxe vários anunciantes que nunca tinham feito anúncio em rádio. Depois, patrocinaram a Revista Matinal. Foi curioso isso.
José Wille – A Revista Matinal ficou 29 anos no ar, foi o seu programa principal. Como era?
Arthur de Souza – A ideia era que a pessoa estaria folheando uma revista, com várias páginas de assuntos diferentes. Então, a revista tinha notícias políticas, tinha utilidade pública – não aquela coisa como “perdeu-se uma carteira” ou “vende-se um lote de terreno”. Eu entendia que utilidade era prestar um esclarecimento, educar… Enfim, fazer com que as pessoas conhecessem facetas que precisavam conhecer. Naquele tempo já era necessário; hoje, é mais ainda. Outro dia, aconteceu um episódio no qual senti falta da minha tribuna. Estava dirigindo meu automóvel e vi uma moça jogar um papel do tamanho de um jornal para fora do carro. Parei na esquina, ao lado de outro carro, e ia dizer para o motorista “veja aquela moça sujando a nossa cidade”. Quando comecei a falar, o sujeito, que estava comendo uma banana, jogou a casca pela janela. Eu nem ri e nem falei nada. Estas eram coisas que, naquele tempo, eu contava no meu programa! Eu comprava também muita revista estrangeira, procurando tirar assuntos variados, até da engenharia genética, por exemplo. Então, essa conversa com o ouvinte era uma coisa construtiva. E tinha o noticiário da polícia, que não era essa coisa de conversar com o preso…
José Wille – E Curitiba nem devia ter, naquela época, tanto acontecimento policial…
Arthur de Souza – Ah, mas acontecia, sim! Violência sempre teve, hoje é muito maior. Mas também existia em Curitiba, sim, muita coisa para ser noticiada.
José Wille – Mas o senhor tinha um espaço reservado para isso dentro do programa, que era o noticiário policial.
Arthur de Souza – Sim, tinha um espaço delimitado. Tinha o que os repórteres pegavam e eu lia. Mas, muitas vezes, o noticiário policial é uma lição de crime, porque o sujeito vai contar como o ladrão arrancou uma grade com um macaco de automóvel, ou seja, ele está ensinando. Então, essas coisas a gente omitia, noticiava mais de uma forma que não fosse uma escola para o mal. Nós tínhamos também a página social. Noticiávamos uma festa que havia acontecido, não era aquela coisa de “faz anos hoje fulano”. Acontecimentos na cidade que merecessem um destaque a gente dava, mas tudo resumido, porque tempo de rádio é limitado. Nós tínhamos notícias do país e do exterior. A revista era uma variedade de assuntos.
José Wille – O senhor foi o segundo a ir do rádio para a política aqui. Como, em 1954, surgiu a oportunidade da sua candidatura para deputado?
Arthur de Souza – Eu fui para a política e sempre fiz rádio simultaneamente. Pelo contrário, eu até cuidava mais do rádio do que de política. Uma popularidade que a gente adquire forçosamente em função do cargo e, então, com essa locução que eu fazia no dia a dia, no convívio com os lares do Paraná, alguns amigos começaram a me colocar a “mosca azul” na cabeça. Diziam que eu tinha chances de ser deputado. E eu achava que não dava para isso, sempre critiquei políticos. Mas, de tanto que falaram, até mesmo colegas de faculdade, comecei a conversar com políticos experientes, que me explicaram que um partido precisa fazer legenda. Então, eles pegam pessoas que fazem poucos votos e as transformam em trampolim para as pessoas que têm uma votação sólida se elegerem. Depois, com a insistência de convites de partidos e do general Tourinho, eu pensei “devo ter alguma chance” e me candidatei. E, bem por fim, na minha bancada, fui o deputado mais votado, só na capital. Isso mostrou que a penetração da Revista Matinal era grande. Daí, a coisa foi ficando difícil, nas outras eleições a concorrência foi aumentando. Mas a primeira vez foi assim.
José Wille – Naquele tempo, já devia ter um bom salário. Ser eleito foi importante para o senhor?
Arthur de Souza – Como não! Porque, embora eu explorasse o meu programa, o cargo de deputado me trouxe mais status. Eu passei a ter mais influência na vida do Paraná, que é um estado que a gente ama. Então, indiscutivelmente, depois que eu me elegi, foi diferente.
José Wille – Foram vários governadores – Lupion, Ney Braga, Bento Munhoz, Paulo Pimentel, até Leon Peres – com quem o senhor conviveu nesse período de 20 anos como deputado estadual. Como era a proximidade no momento que se necessitava de divulgação de cada campanha eleitoral? O senhor era procurado para usar o seu prestígio para ajudar esses nomes que queriam se eleger?
Arthur de Souza – Como a nossa bancada apoiava o governo e tinha interesse na eleição daquele candidato que o governo apresentava, éramos muito requisitados para comícios no interior. Por exemplo, na campanha do governador Paulo Pimentel, nós recebíamos do pessoal que o estava apoiando avisos assim “olha, deputado, está saindo um avião para a sua região, Guaraci, Nossa Senhora das Graças, Colorado”. Então, em tais ocasiões, eu parava meu programa de rádio e atendia aos comícios que se faziam e, felizmente, foi sempre bem-sucedida a nossa facção.
José Wille – E o senhor ainda criava assim as suas bases pelo interior para garantir a reeleição?
Arthur de Souza – Com este fato de a gente ir apoiar o candidato e depois ele sair-se vencedor, a gente tinha muito mais capacidade para chegar e pedir alguma coisa para o município. Essa coisa de política…
José Wille – O senhor acha que essa participação de 20 anos na política foi um trabalho importante, pela possibilidade de atender àquelas preocupações que o senhor tinha com um assunto ou outro? Mais que só pelo rádio?
Arthur de Souza – São facetas completamente diferentes uma da outra. Há muita injustiça com a figura do deputado. Porque um deputado que é trabalhador, que atende às necessidades da população de seus municípios, não tem sossego. Nos meus programas de rádio, para começá-los, tinha que chegar bem mais cedo, porque, quando eu chegava lá, tinha 8, 10 pessoas para conversar comigo. Quando eu terminava o programa, ficava atendendo mais uma porção de gente. Então, a política desgasta a pessoa. Depois que a gente se entrosou com o interior, a pessoa vinha com uma carta do prefeito e você sabia que tinha que atendê-la… Não é fácil a vida política. É sacrificada… Os deputados, muitas vezes, são injustiçados, isto é, os que trabalham realmente.
José Wille – No rádio, o senhor sentiu muito os efeitos da censura, a partir de1964?
Arthur de Souza – Eu atravessei toda essa fase. Muitas vezes vinha o fiscal, a pessoa que nos policiava, e queria ver o que a gente ia ler, o que ia comentar. E, muitas vezes, eles riscavam alguma coisa… Inclusive, nós chegamos a ser processados – eu e o Algaci Túlio respondemos a um processo juntos. Fomos absolvidos, mas chegamos a contratar advogado para que fizesse nossa defesa.
José Wille – Outras dificuldades foram surgindo no rádio. Curitiba ganhou um grande número de emissoras. Isso foi dividindo o público.
Arthur de Souza – Pois é, mas eu não senti isso. Havia ouvintes para todas as emissoras. Todas elas faturavam.
José Wille – Mas a concorrência comercial, por exemplo, tornava-se maior.
Arthur de Souza – Mas todas elas tinham a sua fatia. E, como disse antes, melhorou o rádio, porque, onde há concorrência, há a necessidade de se fazer algo melhor.
José Wille – Em 1985, o senhor decidiu deixar o rádio. O que pesou?
Arthur de Souza – Foram 45 anos de rádio. Comecei em 1940 e parei em 1985. É uma existência… Eu era obrigado a levantar todos os dias às 6 horas da manhã, para estar lá cedo para organizar o que ia falar. Chega-se a um ponto em que a pessoa vai pesando estas coisas. Depois que deixei o rádio, confesso que comecei a sentir saudade – saudade daquele tempo, saudade de quando levantava naquela hora por obrigação… Porque, quando a gente deixa uma coisa da qual gosta muito, a saudade vem…
José Wille – Na sua época, o senhor tinha já uma locução mais moderna, coloquial. E o rádio antigo tinha aquela história de enrolar a língua, de falar de uma forma bastante artificial, não é?
Arthur de Souza – Outro dia, quando era entrevistado, perguntaram-me o que deve fazer aquele que hoje se inicia como locutor. Meu conselho: deve tentar ser bem natural, não tentar imitar os outros, ter a sua forma própria de falar, desde que se faça entender perfeitamente, articular perfeitamente as palavras, sem exagero. E que estude muito, porque o português é essencial para um comunicador; se começar a errar, a pessoa fica desautorizada. Outra coisa interessante: a maneira de falar, a entonação… Esse cuidado todo o homem de rádio, o comunicador, deve ter, junto com a capacidade que vem do estudo. Se ele não é estudioso, não foi aplicado, dificilmente poderá se destacar ou poderá ser um locutor que faça carreira.
José Wille – E a política? Por que, depois de 20 anos, o senhor também encerrou a carreira política, em 1974?
Arthur de Souza – Na realidade, eu tive um revés em 1974.
José Wille – Que foi uma época de muitos votos para a oposição.
Arthur de Souza – Foi, sim. E a maneira como cresceu a oposição… Nós éramos deputados do governo – e eu não fiz a votação necessária. Eu me desiludi e deixei a política. Deixei não, ela me deixou. Essa é a realidade, vamos reconhecer. O político não deixa a política assim – enquanto ele estiver sendo reeleito, ele vai se perpetuar…
José Wille – Por que o senhor nunca pensou na televisão, quando ela veio em 1960?
Arthur de Souza – Cada um tem que se pôr no seu lugar. Eu acho que o homem de televisão tem que ter locução e um aspecto que impressione o ouvinte. E eu não tenho cara para televisão.
José Wille – Mas todas as pessoas que iam para a televisão, em seu começo, eram do rádio. O senhor nunca pensou nessa possibilidade?
Arthur de Souza – Não, não pensei, porque o rádio me absorvia de tal maneira e era compensador. Então, não ia sair de uma área onde estava enraizado – e com uma situação sólida – para tentar uma coisa que não sabia. E, como eu disse, nunca achei que tivesse figura para a televisão. Quando sou televisionado, fico todo encabulado, todo inibido.
José Wille – Finalizando, então, com a avaliação que o senhor tem do rádio como veículo. Ele perdeu muito espaço com a chegada da televisão? Ou o senhor acha que ele tem um futuro assegurado por suas características?
Arthur de Souza – O rádio não perdeu espaço, ainda, pela sua facilidade. A pessoa está pedalando e está com o radinho na cintura, pendurada no fone no ouvido. O sujeito que acorda de manhã, que perdeu o sono, fica ouvindo rádio na cama, não quer ver imagem, pois está com a vista cansada do dia que teve. Então, essa gente toda apela para o rádio. E nós temos exemplos de emissoras de rádio que transmitem noite e dia e têm audiência em todas as horas. Então, eu acho que o rádio dificilmente vai perder o seu lugar.