Os motivos da desativação das ferrovias no Brasil
Durante boa parte do século XIX e início do XX, o trem foi símbolo de modernidade e motor do desenvolvimento brasileiro. As ferrovias conectaram regiões agrícolas ao litoral, impulsionaram a industrialização e reduziram distâncias num país de dimensões continentais. Mas a partir da segunda metade do século passado, grande parte dessa malha foi abandonada ou sucateada.
O primeiro fator central para a retração foi a prioridade dada ao transporte rodoviário. A partir do governo Juscelino Kubitschek (1956-1961), a construção de estradas tornou-se política de Estado, sob o lema do “50 anos em 5”. Incentivos fiscais, a instalação da indústria automobilística e os investimentos públicos criaram uma matriz de transporte fortemente dependente de caminhões e automóveis.
Outro motivo foi a falta de manutenção e investimentos contínuos nas linhas férreas. Muitas concessionárias e estatais não tinham recursos para modernizar trilhos, locomotivas e vagões. Com a concorrência das rodovias, a demanda por transporte ferroviário caiu, gerando um círculo vicioso: menos uso, menos receita e menos investimentos.
Também pesaram os interesses econômicos do setor automotivo e de combustíveis. A expansão das montadoras de veículos no Brasil, somada ao poder das companhias de petróleo, contribuiu para enfraquecer a pressão política em favor das ferrovias.
Além disso, a malha ferroviária nacional foi construída de forma fragmentada, com bitolas diferentes e projetos regionais que não se conectavam adequadamente. Isso limitou a eficiência do transporte e aumentou os custos de operação.
O processo de privatizações na década de 1990 também não levou a uma retomada ampla. Concessionárias priorizaram trechos rentáveis, principalmente voltados ao transporte de minério e grãos para exportação, deixando de lado ramais regionais e trechos de passageiros.
Consequências do abandono
A desativação das ferrovias trouxe impactos de longo prazo. O Brasil passou a depender em mais de 60% do transporte de cargas rodoviário, considerado caro, poluente e menos eficiente em grandes distâncias. Já o transporte de passageiros por trens, comum em países desenvolvidos, praticamente desapareceu fora de regiões metropolitanas.
O resultado é uma logística cara e vulnerável. Caminhões enfrentam estradas deterioradas, custos elevados de combustível e grandes riscos de acidentes. Ao mesmo tempo, a ausência de alternativas sustentáveis reforça gargalos que encarecem a produção e prejudicam a competitividade do país no comércio internacional.
As chances de retomada
Nos últimos anos, voltou ao debate a necessidade de reequilibrar a matriz de transportes. Projetos como a Ferrovia Norte-Sul e a Fiol (Ferrovia de Integração Oeste-Leste) mostram avanços, mas ainda restritos a corredores estratégicos para escoamento de produtos.
Especialistas avaliam que a retomada plena das ferrovias em todo o país é improvável. O investimento necessário seria gigantesco e a demanda, em muitos trechos, não justificaria o custo. Assim, o cenário mais viável é a recuperação e expansão em corredores específicos, onde há alto volume de carga e clara viabilidade econômica.
No transporte de passageiros, a tendência é a implantação de projetos regionais ou metropolitanos, como trens de média velocidade entre grandes cidades, além da requalificação de linhas urbanas de metrô e trem metropolitano.
O Brasil, portanto, dificilmente verá a volta dos trens como no passado, cruzando o interior em ramais locais. Mas pode, se houver coordenação entre Estado e iniciativa privada, reconstruir parte desse modal em áreas estratégicas, reduzindo custos logísticos, ampliando a competitividade e oferecendo alternativas de transporte mais limpas e eficientes.