Rua do Mate valoriza a cultura de São Mateus do Sul
O ramo de erva-mate nos símbolos oficiais do Paraná mostra a importância desta planta para a economia e a história paranaenses. Na região Sul do Estado, especialmente em São Mateus do Sul, essa relação é ainda mais umbilical.
A cidade, que se desenvolveu em torno da coleta e comercialização da erva-mate, experimenta uma retomada da produção, um novo momento que merece, inclusive, um marco arquitetônico: a Rua do Mate, uma via coberta, que valoriza a cultura e a socialização que só uma boa roda de chimarrão tem capacidade de expressar.
Localizada na área central da cidade, a obra do Governo do Estado será um espaço de convivência, onde famílias e visitantes poderão se encontrar para colocar a conversa em dia e tomar uma cuia de chimarrão.
Também vai concentrar atividades culturais, eventos e fomentar o comércio, principalmente de produtos típicos da região. A Secretaria de Estado do Desenvolvimento Urbano e Obras Públicas investe R$ 2,1 milhões no projeto, previsto para ser entregue em outubro.
VOCAÇÃO – A vocação econômica de cada cidade paranaense é um dos critérios para a aprovação dos projetos pela Secretaria do Desenvolvimento Urbano, afirma o secretário João Carlos Ortega. “Somos responsáveis, dentro do Governo do Estado, pela política de planejamento e investimentos voltados ao desenvolvimento dos 399 municípios paranaenses, levando sempre em consideração as maiores necessidades das cidades e a importância da obra para a população e para a economia local”, explica Ortega.
Para Elizeu Chociai, diretor de Administração e Finanças do Paranacidade, órgão vinculado à Secretaria do Desenvolvimento Urbano, a Rua do Mate é exemplo de uma obra pública que valoriza a vocação regional. “É um projeto relacionado à cultura da erva-mate e que beneficia uma comunidade que tem uma forte identificação com esse produto. Mais do que um espaço de lazer, ela será um fomento para o turismo, o comércio e as atividades culturais”, destaca Chociai.
BOAS-VINDAS – A Rua do Mate fica em um ponto estratégico, com boas-vindas para quem chega a São Mateus do Sul pela BR-476. Está entre o antigo convento, hoje sede da Secretaria Municipal de Educação, Cultura e Turismo; a igreja do padroeiro São Mateus e a Casa da Memória Padre Bauer – que abriga a história da erva-mate, da imigração polonesa e da navegação a vapor que são símbolos da cidade.
Segundo o arquiteto e urbanista da prefeitura, Ricardo Guth, junto com a rua coberta, o município também vai ganhar um portal alusivo à erva-mate. “A Rua do Mate fica na entrada da cidade, bem à vista de quem vem de Curitiba, da Lapa ou de cidades mais ao Sul. A ideia é que quem passar por aqui sinta-se convidado a entrar, nem que seja para sentar e tomar um chimarrão”, diz Guth.
O PROJETO – O já instalado chimarródromo, um espaço com torneiras com água quente para abastecer as cuias de chimarrão, é um dos principais atrativos da Rua do Mate. A disposição dos bancos em frente a esse local é quase como uma roda de chimarrão, destacando o caráter social da bebida, que quase sempre é tomada em companhia. Mudas de erva-mate também estão sendo plantadas ao longo dos mais de 3 mil metros quadrados da obra.
Na parte de cima, uma estrutura metálica, coberta com vidro, vai abrigar quiosques para a venda de alimentos, artesanatos e produtos derivados da erva-mate. Será também um espaço voltado para apresentações culturais, eventos públicos e feiras livres.
RIO IGUAÇU – No meio, uma espécie de chafariz trará uma representação em escala do Rio Iguaçu. O maior rio do Estado tem um papel importante desenvolvimento da cidade: muitas toneladas de madeira e erva-mate foram escoadas pelos vapores que navegavam entre o final do século XIX até meados do século XX.
A exemplo de projetos semelhantes Brasil afora, como a Rua Coberta de Gramado, no Rio Grande do Sul, um dos objetivos do espaço é atrair turistas para o município. “São Mateus do Sul têm grande potencial turístico ainda pouco explorado, e vários grupos da cidade querem reverter essa situação tendo a erva-mate como chamariz”, explica Ricardo Guth.
Novo espaço também fomenta a economia regional
A obra do Governo do Estado também fomenta a economia regional. O Paraná é o principal produtor de erva-mate do País, respondendo por 39% das plantas cultivadas e por 88% da produção dos ervais nativos ou sombreados. Esta é a forma de plantio predominante em São Mateus do Sul, onde a erva é produzida em meio à vegetação florestal nativa, em especial a araucária.
De acordo com Departamento de Economia Rural (Deral), da Secretaria de Estado da Agricultura e do Abastecimento, o Paraná produziu aproximadamente 560 milhões de toneladas da planta em 2018, mais da metade de toda a produção nacional, que é concentrada nos três estados do Sul e, em menor escala, no Mato Grosso do Sul. O Valor Bruto da Produção (VBP) naquele ano no Estado foi de quase R$ 592 milhões.
SELO DE QUALIDADE – São Mateus do Sul é o segundo maior produtor paranaense, com 70 mil toneladas produzidas em 2018, atrás apenas de Cruz Machado. A qualidade é o principal diferencial da erva de São Mateus, reconhecida com o registro de indicação geográfica (IG), que identifica os produtos típicos de certas regiões.
O selo é conferido a produtos característicos do seu local de origem, por terem identidade única em função do o processo de fabricação ou dos recursos naturais usados, como solo, vegetação e clima.
Proposta valoriza identidade e potencializa turismo
A proposta de construir um local para valorizar a cultura do mate surgiu dos próprios produtores e empresários locais, que viram na planta uma identidade para a cidade, também conhecida pela produção de xisto e pela imigração polonesa.
O trabalho foi encampado por entidades como o Conselho do Jovem Empresário (Conjove), ligado à Associação Comercial, Industrial e Agropecuária de São Mateus do Sul; a Associação dos Amigos da Erva-Mate de São Mateus (IG-Mathe) e a Câmara de Dirigentes Lojistas da cidade.
O projeto nasceu em 2012, junto com outras iniciativas voltadas à valorização do produto, que incluiu também o processo de Indicação Geográfica. O registro do Instituto Nacional de Propriedade Intelectual (INPI) saiu em 2017 e além de agregar valor ao produto também garantiu um reconhecimento para a região que reflete em outras áreas, como o comércio e o turismo.
“Esse processo culminou em ganhos que vão muito além das receitas dos produtores rurais e das empresas beneficiadoras. Um deles é a própria Rua do Mate, que vem chancelar, é um marco de que o trabalho com a erva-mate valeu a pena”, afirma Helinton Lugarini, membro do conselho regulador da IG-Mathe.
“O potencial turístico, que estava um pouco apagado aqui, retoma com novas ideias para serem exploradas. Um espaço como a Rua do Mate estimula e é um ponto de partida”, ressalta Lugarini. “Existem alguns projetos relacionados ao turismo rural, de experiência e de negócios. A região pode promover diversos eventos relacionados à erva-mate que vão movimentar a economia”, completa.
Cultura tem ligação íntima com a história
A erva-mate está intimamente ligada à memória de São Mateus do Sul, que se tornou município em 1908, período de ouro da exploração do produto no Paraná. Mesmo antes da emancipação política, a cidade já vinha em um importante ciclo de desenvolvimento.
Em 1882, iniciou a navegação a vapor no Rio Iguaçu, para transportar a madeira e a erva comercializadas no Sul do Brasil e em países vizinhos, principalmente a Argentina.
“No final do século XIX, o Paraná passava por um intenso processo político e econômico impulsionado pela produção ervateira. A história de São Mateus se insere neste contexto, interligando três principais questões: a erva-mate, a navegação a vapor e a imigração polonesa”, conta Hilda Digner, professora de história e coordenadora da Casa da Memória Padre Bauer.
A planta nativa do Estado, já utilizada antes da colonização por indígenas guaranis, passou a ter grande saída no município, que contava com empresas fortes do ramo, como a Leão Júnior
A navegação a vapor foi outro fator até meados do século passado. A hidrovia que ligava Porto Amazonas a União da Vitória tinha 350 quilômetros de extensão através do Rio Iguaçu, passando também pelos afluentes Rio Negro e Rio Cotinga.
“A navegação foi um feito para a época, um negócio de proporções gigantescas. As peças do primeiro barco a vapor chegaram de carroção, vindas do Porto de Paranaguá pela Estrada da Graciosa, para serem montadas aqui”, conta Hilda.
Mais de 70 vapores chegaram a navegar pela região, e toda uma estrutura tomou conta da cidade por causa da atividade, com empresas, marinheiros e até estaleiros. A memória dos tempos da navegação também é preservada na cidade. Ainda é possível conhecer o vapor Pery, que encerrou as atividades nos anos 1950 e agora está instalado nas margens do Rio Iguaçu, mantendo a lembrança de águas passadas.
AEN