2 de janeiro de 2025
GERAL

A disputa por visibilidade entre imprensa e páginas de entretenimento em redes sociais

As eleições de 2022 trouxeram para o centro da arena política personagens improváveis do campo do entretenimento: das grandes celebridades como Anitta e Neymar até os perfis em redes sociais dedicados a comentar programas de TV, música pop e a vida dos famosos. Nesse sentido, destacaram-se atores como Séries Brasil, BCharts, POPTime e, em especial, a Choquei. Criada por Raphael Sousa Oliveira em 2014, o perfil soma 4,5 milhões de seguidores no Twitter e mais 19,2 milhões no Instagram. Com textos curtos e diretos, frases de efeito, emojis de alerta e imagens chamativas, a página cobre reality shows, repercute desavenças entre celebridades, traz fatos estranhos pelo mundo (ao estilo fait divers) e, desde o ano passado, investe em informações sobre a política brasileira.
No Twitter, um monitoramento do debate digital feito pela FGV ECMI no período do segundo turno das eleições de 2022 mostrou que a Choquei foi a principal página do agrupamento que atraiu mais perfis. O perfil também obteve destaque em outros levantamentos ao longo do processo eleitoral e entre outubro de 2022 e março de 2023 ganhou mais de 3 milhões de seguidores.
A inserção da Choquei no panorama da comunicação política abriu uma discussão sobre a confiabilidade de suas informações num momento em que o jornalismo trava uma luta contra a desinformação e envida esforços para retomar seu lugar privilegiado na estruturação da opinião pública. O argumento dos críticos é de que o perfil não cumpre requisitos mínimos do trabalho jornalístico, como a apuração — o que permite à Choquei maior rapidez na divulgação das informações. Além disso, o perfil em geral reproduz informações de outras fontes (jornalísticas ou não), nem sempre referencia a autoria original e costuma adotar uma linguagem mais enviesada que, alegam, distorce informações.
O choque entre um perfil originalmente dedicado a temas banais e atores do jornalismo reedita a divisão midiática entre notícia e entretenimento, que está na gênese do formato tradicional dos veículos de imprensa. Nessa divisão, a notícia seria o lugar dos temas sérios, de interesse público, e o entretenimento, o ramo da diversão, da frivolidade e do sensacionalismo. A realidade, porém, é que entretenimento e notícia sempre foram dependentes um do outro. Para atrair a audiência, o entretenimento precisa recorrer a temas de interesse público, ao passo que, cada vez mais, as notícias têm adotado formatos que buscam reter a atenção do público para determinados temas.
É nesse sentido que os defensores dos perfis de entretenimento apontam para problemas próprios dos empreendimentos jornalísticos, que vão desde o enviesamento editorial até o sensacionalismo dos títulos e manchetes. O contra-ataque desses perfis também é referendado em certa medida pelos próprios estudos sobre entretenimento e política. O surgimento inesperado da política em espaços dedicados à diversão e a embalagem mais palatável da informação política como entretenimento fazem com que perfis a exemplo da Choquei tenham maior capacidade de penetração entre camadas avessas ao ambiente formal das notícias produzidas pelo jornalismo.
O ponto de embate nesse cenário tem a ver com a definição do que vem a ser informação. Para o jornalismo, a informação é um enunciado que se aproxima da verdade objetiva porque segue uma série de regras de produção de veracidade. Para a política, entretanto, a informação é um bem a ser negociado num mercado que envolve diversos atores e que no fim serve para que os eleitores façam suas próprias escolhas.
Em um cenário de crescente disputa por visibilidade e credibilidade, o sucesso de páginas de entretenimento está associado não somente ao conteúdo e forma dos posts, mas também ao ambiente de interação propiciado pelas plataformas. Nesse sentido, no lugar de apenas rejeitar sua atuação com base em regras clássicas do jornalismo, o estudo desse fenômeno pode ser fértil para a compreensão de dinâmicas emergentes na comunicação digital contemporânea.

– Portal FGV