8 de outubro de 2024
Memória

Ivo Mezzadri mudou a história da UTFPR

 

O professor Ivo Mezzadri morreu neste ano, no dia 22 de maio, em Curitiba. Ele ficou conhecido por ter sido ex-diretor geral do antigo Cefet, hoje UTFPR, Universidade  Tecnológica Federal do Paraná, entre 1972 e 1982. O professor passou por uma cirurgia depois de cair em casa, mas não resistiu. Há algum tempo ele já tinha se afastado do trabalho pela perda de memória, causada pelo Mal de Alzheimer.

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A vida do professor foi marcada por uma tragédia. Em 1982, assaltantes fugitivos da prisão entraram na garagem da casa dele, no Alto da Rua XV, em Curitiba. Ele levou dois tiros, sobreviveu, mas uma das balas ficou na cabeça. Com o tempo recuperou a fala e os movimentos, mas com mais dificuldades. Os advogados dele entraram com uma ação responsabilizando o Estado, que deveria ter mantido estes assaltantes na cadeia, o que evitaria o crime. A defesa lembrava que o professor teve a sua capacidade física e mental reduzida em 50% por causa dos tiros. Em 1999 chegou a sair uma decisão da justiça a favor da  indenização ao professor.  Mas quase 40 anos depois, este assunto ainda não teve um desfecho.

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A carreira do professor Ivo Mezzadri confunde-se com a própria história do Centro Federal de Educação Tecnológica do Paraná – CEFET, do qual foi diretor geral, transformado mais tarde na UTFPR.  Esteve na instituição de 1950, como aluno, até encerrar a sua gestão em 1982. Nesta gestão, o centro expandiu a infraestrutura e criou cursos de excelência técnica, apoiando ainda muitas atividades artísticas, na busca de uma educação integral.  Ivo Mezzadri atuou também na Federação das Indústrias do Estado do Paraná (FIEP) e no Instituto Euvaldo Lodi (IEL), promovendo programas de estágio em busca de integração entre escola e empresa. Entrevista gravada em outubro de 1997 no projeto “Memória Paranaense’ original, da Rádio CBN e Inepar.  

 

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José Wille – Professor, pode-se dizer que o senhor dedicou sua vida ao CEFET, onde entrou muito jovem, em 1950, vindo de Porto Amazonas.

Ivo Mezzadri – Exatamente. Como você disse, dediquei minha vida e quase que o CEFET levou minha vida também. São dois extremos nesse particular. Tive a oportunidade de entrar como aluno, em 1950, fazendo ginásio industrial, que, naquela época, chamava-se primeiro ciclo. Posteriormente, fiz o segundo ciclo, que é o segundo grau de hoje, e, depois, o curso de formação de professores.

José Wille – Quando o senhor ingressou na escola técnica, em 1950, como era? Um internato?

Ivo Mezzadri – Tinha o internato ainda, e era de altíssimo nível, inclusive copiado por colégios de freiras da época. No primeiro e no segundo ano, eu morava com a minha madrinha, mas, no terceiro e quarto ano, fui aluno interno.

José Wille – Como era o ensino naquela época? Era exclusivamente técnico ou havia uma boa base nas demais disciplinas?

Ivo Mezzadri – Quando eu comecei, já era ginásio industrial e, como o próprio nome diz, já correspondia ao ginásio, ao primeiro ciclo. Então, era formação educacional geral e específica. Havia aula o dia inteiro – pela parte da manhã, estudávamos as cadeiras da educação geral, como português, história, matemática, ciências etc; almoçávamos na própria instituição e, na parte da tarde, tínhamos as aulas práticas ou tecnológicas. Ou vice-versa.

José Wille – Terminado o curso, o senhor já ficou no  CEFET como professor?

Ivo Mezzadri – Sim. Quando terminei, em 1957, já me deram o recado que eu era um bom aluno – como outros também –  e ficamos participando de um grupo de assistentes dos professores, para que, dentre nós, fossem escolhidos os que ficariam com certas vagas já previstas.

José Wille – Foi um tempo como professor do CEFET e também da rede estadual. E depois surgiu o convite para o senhor participar da direção.

Ivo Mezzadri – A partir de 1959, fizemos o curso de formação de professores, que, naquela época, era pela CBAEI – Comissão Brasileira Americana de Ensino Industrial. O curso tinha duração de 2 anos, se não me engano, e, logo depois, comecei com atividades também no estado, mais ou menos em 1960. Foi uma época boa para a gente, porque, realmente, quem tinha domínio do ensino técnico ou da parte técnica era bem conduzido, bem valorizado.

 

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Criar atividades extra-classe para os alunos foi um grande diferencial da gestão de Ivo Mezzadri, como o Clube de Xadrez, a Banda da ETFPR, o Coral,  o Tetef, Teatro da ETFPr, e grupos de atletismo em todas as áreas, dentro de uma longa lista de inovações. Encontre muitas outras fotos históricas no grupo Memória da Escola Técnica do Paraná, e no grupo Memória da UTFPR, criados por esta coluna no Facebook.

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José Wille – Em 1972, o senhor assumiu a direção geral do CEFET. Além da preocupação com o CEFET e sua expansão, também havia atenção com as atividades extraclasse, para que a escola não fosse exclusivamente técnica?

Ivo Mezzadri – Isso é um fator muito importante, que muitos educadores parecem não ver como fundamental. Este foi um período em que o CEFET precisava se autoafirmar na comunidade. Ora, uma instituição de ensino que tinha essa vocação e que precisava se autoafirmar tinha que lançar mão de todas as possibilidades que tivesse. Naquela época, em 1972, tínhamos um pequeno nicho de canto – um coral muito modesto, muito simples – e tivemos o privilégio de criar muitas outras coisas. Dentre elas, posso citar o conjunto de flauta transversa, que começou naquela época; o Tetef – um conjunto de teatro, porque entendíamos que o teatro era uma forma de desenvolver essa atividade; o grupo de ginástica rítmica, que acho que foi uma oportunidade de muitas moças se realizarem; a escola de xadrez, que também foi uma atividade muito interessante; e para todas as atividades esportivas, como vôlei, basquete, handebol, natação, atletismo – masculinos e femininos – tínhamos também escolinhas. Vimos que, quando começavam a escola, às vezes nem sendo alunos, eles já começavam estas atividades.

José Wille – E o CEFET educava não só para a área técnica, mas para outras áreas, para outras profissões, a partir dessas atividades?

Ivo Mezzadri – Exatamente, pois o importante é entender que o processo educacional é muito complexo. Muitos alunos, aos 12 anos, já têm uma direção definida, ou pelo contexto familiar ou pelo patrimônio da família. Outros, não; estão perdidos. Então, quanto mais atividades a escola tiver, mais fácil para o aluno se encontrar através daquelas atividades. Você é exemplo disso. Quer dizer, é necessário que o jovem não seja técnico de mecânica ou de eletrônica ou de telecomunicação, mas que se encontre profissionalmente. Na banda marcial, quantos alunos tiveram a oportunidade de aprender música; na estação astronômica, de ver os astros. Então, tudo isso a escola proporcionava, para o aluno se encontrar vocacionalmente.

José Wille – Houve uma grande afirmação do Centro Federal de Educação Tecnológica, na época chamado de Escola Técnica Federal do Paraná, na década de 1970. Quando o senhor acha que se consolidou como um centro de referência para onde os pais queriam mandar os filhos para formá-los, mesmo se, depois, o destino fosse a universidade?

Ivo Mezzadri – Na década de 1970, a escola precisava de uma autoafirmação e isso foi fundamental naquela oportunidade. Em Minas Gerais, temos a tradicional família mineira. E, no Paraná, temos a tradicional família paranaense, que carece de mudanças. Na época, tínhamos alguns colégios, entre eles o Colégio Estadual do Paraná, o Santa Maria, o Colégio Militar – que estava começando – e que atingiam a classe A da sociedade. Não havia outros. Hoje, vê-se que o CEFET é completamente diferente. Naquela época, não havia muitas outras opções sociais, tanto para o sexo masculino quanto para o feminino. Então, o CEFET teve que entrar como uma cunha no social para mostrar que o jovem devia ter uma profissão também, além de uma cultura geral muito boa.

 

José Wille – A escola se consolidou com o objetivo principal de formação técnica, não de um estudante que, depois, fosse cursar uma universidade. Mas o aluno fazia o curso técnico e, em grande parte, ia para a universidade a seguir.

Ivo Mezzadri – Isto é um fator em nível nacional, não só aqui em Curitiba ou no Paraná. Então, a escola precisava ter  como tinha  mecanismos, pois, dentre 500 formandos no ano, entre o primeiro e o segundo semestre, imaginávamos que um percentual de 30 ou 40% fosse buscar um terceiro grau, mas 60 ou 70% deles ficariam por alguns anos nas atividades industriais. Socialmente, acho que o CEFET dava resposta à comunidade, justificando plenamente, em termos de ensino, todo o investimento que o governo federal fazia. Você sabe perfeitamente que, no Paraná, na área de educação, temos dois grandes orçamentos: a Universidade Federal do Paraná e o CEFET. Quer dizer, um estado que tem uma contribuição significativa, uma das mais altas para a União, tem muito pouco retorno na área de educação. Então, com um endereçamento dessa natureza, quantos alunos podem se beneficiar! Eu tive uma atividade social, na semana passada, quando um aluno disse-me claramente “Eu estou aqui e sei o que sou, com minha mulher e meus dois filhos, graças à Escola Técnica”. Como ele, há milhares de outros alunos. E, talvez, ele seja técnico até hoje.

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José Wille – O modelo que se tentou estabelecer, na década de 1970, priorizando o ensino técnico como uma  opção, para que não houvesse só a meta de se fazer o curso superior, acabou não dando resultado?

Ivo Mezzadri – Não é que não deu resultado. Houve resultados, mas eu suponho que, à medida que toda a comunidade queria fazer CEFET, foram se desvirtuando. As demandas industriais continuaram existindo, foram crescendo cada vez mais e a clientela que entrava na escola nem sempre era endereçada para aquilo.

José Wille – E isso foi bem no momento em que surgia a Cidade Industrial de Curitiba, em 1972, quando a exigência da formação de técnicos era bastante grande.

Ivo Mezzadri – Claro! Nós mesmos, lá no CEFET, tínhamos os serviços, inclusive o de produção, que começamos naquela oportunidade. Algumas empresas, entre elas a Volvo ou a Guaíra, encostavam na rua Westphalen uma jamanta com blocos de fundidos, que vinham da cidade de Taubaté, em São Paulo. Testavam estes blocos ali, nos nossos laboratórios. E, se estivessem dentro dos padrões, iam para a fábrica; senão, voltavam dali mesmo. Então, esses fatores realmente conduziam a uma formação tecnológica de bom nível. E era solicitado que assim fosse.

José Wille – Nessa fase em que o senhor esteve na direção do CEFET, que vai de 1972 até 1984, foi o momento da grande expansão do Centro Federal de Educação Tecnológica. Criaram-se os cursos de Engenharia Operacional e toda a infraestrutura. Como foi possível construir aquela potência em que se transformou o CEFET?

Ivo Mezzadri – Houve vários fatores. Um deles foi a expansão de Curitiba. Outro fator muito importante foi que o nosso ministro da Educação era o Ney Braga e ele e sua equipe eram muito voltados ao ensino técnico. Começou-se com engenharia de operações e tecnólogo, depois transformou-se em engenharia industrial. O sistema CONFEA-CREA não via o nome “engenharia de operações” simpaticamente, o que gerou, na época, movimentos dos mais diversos dentro das universidades, dentro da PUC. Foi uma pressão muito grande, mas o Conselho Federal de Educação houve por bem transformar a engenharia de operação em engenharia industrial. E, na nossa modesta opinião, devíamos continuar buscando a verticalização do ensino na área de tecnólogo ou técnico de nível superior.

José Wille – Sua tarefa na direção do CEFET foi principalmente a criação da infraestrutura, o suporte para aquela demanda de alunos, a expansão e criação dos cursos superiores?

Ivo Mezzadri – Sim, mas, como sempre digo, a situação como último diretor da escola é como a corrida do facho  cada um entrega para o outro da melhor forma possível. Eu peguei a direção do professor Ricardo Luiz Knesebeck. Entreguei-a para o professor Ataíde Ferraza. Ele a entregou ao professor Arthur Bertol. Atualmente, temos o professor Paulo Aléssio. Então, cada um, honestamente, procura fazer o melhor que pode. No entanto, é preciso ir se modernizando, se adequando, não só à legislação, mas ao contexto social.

 

José Wille – Depois desse tempo todo, de ter sido aluno e diretor geral, dedicando-se por tanto tempo ao CEFET, que ensinamento tira sobre o papel do ensino técnico?

Ivo Mezzadri – Em termos de país e de mundo, não existe um modelo. Tanto que o sistema francês ou o alemão é melhor que o sistema brasileiro. Não existe um modelo a ser adequado. Mas o período de formação do técnico e as tecnologias existentes têm um tempo de duração cada vez menor. O conhecimento humano praticamente dobra em menor espaço de tempo. Então, o conhecimento que se adquiria em um século ou dois ou três dobrou-se. Com o desenvolvimento de toda informática, praticamente dobrou-se o conhecimento. Então, no meu entender, o CEFET, no atual contexto, tem que ser como um edifício, que têm várias janelas de saída, devendo receber os adolescentes e os jovens, que devem sair pelas janelas em pouco tempo  no máximo em um ano e meio ou dois. Devemos ser ágeis nisto, pois o contexto social é muito grande e muito exigente e precisamos deixar que isto seja adequado às empresas.

José Wille – A tradição do Centro de Educação Tecnológica, mesmo sendo uma instituição pública, era de funcionar de uma forma muito precisa, disciplinada e com dedicação dos professores, diferente de outras instituições públicas. Como foi criada e se manteve essa disciplina?

Ivo Mezzadri – Isso é tudo em função de um sistema, que, evidentemente, tem suas épocas mais e suas épocas menos, quando se implanta ou se dá continuidade a um sistema. Por exemplo, naquela época, tínhamos o sistema do ensino objetivo dentro da teoria de Maker, em que a matrícula era feita por disciplina. Tudo isto conduz os funcionários, o corpo docente e o corpo discente a ter uma certa conduta, porque o sistema exige, o respeito e as condições exigem. Então, tudo isto está no bojo de um sistema. É necessário encarar o fato que a escola é o reflexo do seu modus fazendi.

José Wille – A disciplina, inclusive na questão de limpeza e organização – muito diferente de outras instituições – marcava o CEFET. A tradição se manteve?

Ivo Mezzadri – Esses fatores são muito curiosos. Obviamente, posso dizer muitas coisas a respeito disso, mas entendo que a direção – não só o diretor, mas todo o seu staff diretivo – coloca como prioridade “dar de si antes de pensar em si”, que é um princípio Rotary. Hoje, trago isso, mas não fomos nós que começamos  já vinha do diretor anterior e estava dentro daquele contexto da corrida do facho. Então, o aluno se porta conforme o ambiente que vê: se vai em um sanitário adequado, comporta-se adequadamente; se vai ao pátio e vê lixeiras, coloca o lixo nelas. Tudo isso induz a um comportamento. As zeladoras, se veem que tem o sistema de reaproveitamento de papel usado, comportam-se  desde que exista um lugar para que se coloque o papel para reaproveitamento.

José Wille – O CEFET teve também uma atitude pioneira ao incluir em seu ensino a matrícula por disciplina. Antigamente, quem reprovava em uma tinha que refazer todas as disciplinas. O início disso foi bastante complicado, em se tratando do entendimento deste sistema por estudantes de pouca idade?

Ivo Mezzadri – Deu algum trabalho, mas foi dignificante! Este sistema tem muitas vantagens, tanto que até hoje temos a matrícula por disciplinas. Claro que dá trabalho! Naquela época, começamos, como sempre digo, com o “João Faber” – escrevendo a lápis – para, depois, entrar no sistema de computação. O ensino por objetivo também conduz ao comportamento da matrícula por disciplina. Não era necessário aquele sistema que tínhamos de matrícula anual, em que se reprovava em duas, três ou mais disciplinas e, conforme o estabelecimento, perdia-se o ano todo ou o semestre. Tínhamos até um determinado número de disciplinas e o aluno podia fazer só aquelas novamente. Havia também a situação do horário. Então, o mau aluno tinha que encaixar o seu horário de manhã, de tarde ou de noite, conforme a situação. Os alunos normais encaixam o seu horário no período que for. Isso facilita muito a vida dos alunos.

José Wille –  Foi no seu período também que surgiram os cursos de engenharia operacional, que, depois, tornaram-se engenharia industrial. Como foi a implantação deste curso e a construção dos prédios?

Ivo Mezzadri – Em 1974, começamos com os cursos de engenharia de operações, quando foi aprovado o projeto, que já vinha de época anterior. Então, demos continuidade àquele processo com muita ênfase. Isto não nasceu só porque alguém achava que deveria existir. Houve uma comissão da Fundação Ford, na década de 1960, que fez um levantamento no país para determinar localidades que fossem polos industriais, entre elas Curitiba, Minas, Rio de Janeiro, Recife, São Paulo e Bahia. Esta comissão recomendava que este tipo de curso devia ser montado nas escolas técnicas e não nas universidades. Das seis unidades-polo, de seis escolas técnicas, tivemos três que realmente lograram êxito – Paraná, Minas e Rio de Janeiro – porque tiveram seus projetos aprovados e executados em determinada época. Isto aconteceu em 1974, após muitas diligências e reuniões. E formamos os primeiros engenheiros de operação em 1978, junto com tecnólogos. É claro que aquelas escolas técnicas absorveram os cursos de engenharia, tornando-se escolas de segundo grau que também tinham terceiro grau. Obviamente, em termos de MEC, de departamento de ensino médio, departamento de ensino de terceiro grau, era anormal. Depois de muitas idas e vindas, reuniões e definições, determinou-se que estas três escolas mudassem para Centros Federais de Educação Tecnológica, o que aconteceu em agosto de 1978. O prédio onde está a engenharia, na Sete de Setembro com a Marechal, foi um projeto no qual participamos ativamente e o construímos nesta época. Depois, outro projeto, na esquina da Marechal com a Silva Jardim, que era só de segundo grau, foi feito por nós mesmos da escola, pois os próprios professores fizeram os projetos arquitetônicos. Este prédio foi construído pela Irmãos Thá; o outro, pela Encipar. O prédio da Silva Jardim tinha quase o dobro de área construída do prédio anterior, o da Sete de Setembro. E este foi feito com o dobro do custo do outro, porque eram projetos com pé-direito muito alto e volume de concreto enorme, o que encareceu muito a construção.

José Wille – Apesar do ensino técnico, dos laboratórios, de um ensino pesado e difícil, CEFET se caracterizava por não ter um ambiente árido. Havia incentivo às atividades culturais. Isto era uma filosofia de trabalho que o senhor introduziu no CEFET?

Ivo Mezzadri – Na verdade, acho que nós começamos nisto, porque o ensino técnico é muito fechado, trancado, muito tecnológico. Então, à medida que se tem várias atividades, o rendimento melhora. Como exemplo, o Salão de Arte, que temos até hoje, nada mais é do que a exposição de algo que o aluno fez por exemplo, um aluno que faz mecânica e também faz uma outra atividade, como pintura ou escultura. Tudo isto está dentro de uma filosofia de que não é necessário ter apenas o ensino técnico. Muito pelo contrário: é em cima deste aluno com bom ensino técnico, com boa educação geral, que se desenvolvem boas atividades extraclasse. Cada vez mais, o conhecimento se afunila e a pessoa que tiver uma boa educação geral, obviamente, se adaptará melhor a qualquer situação.

José Wille – No final de 1982, chegando em casa, o senhor encontrou quatro fugitivos da penitenciária e acabou atingido por dois tiros. Como isso mudou a sua carreira e a sua vida?

Ivo Mezzadri – Mudou, fazendo um giro de 180 graus! Eu tinha possibilidades diversas e me vi impedido. Não fui a óbito praticamente por uma razão de Deus.

José Wille – No seu caso, foi por um milagre. Levou dois tiros – e um, inclusive, alojou-se no cérebro!

Ivo Mezzadri – E está aqui até hoje. Então, é uma situação ímpar, com as sequelas e a vivência que tive.

José Wille – O senhor estava chegando em casa. Poderia ter sido pior? A sua família estava correndo risco.

Ivo Mezzadri – Sim. Supomos que iam entrar na minha casa e danificar a minha família, mas não esperavam que eu chegasse naquele exato momento.

José Wille – O mais importante foi a sua reação posterior, pois o senhor enfrentou uma situação difícil. No primeiro momento, ficou completamente paralisado, sem falar, sem poder se mover. Então, teve um esforço muito grande, com a fisioterapia, para vencer esta situação.

Ivo Mezzadri – Passamos por isto. Fiquei um bom período, uns treze dias, na UTI, completamente inconsciente. Durante todo o período de hospitalização, eu só andava de cadeira de rodas, não falava, era um morto-vivo.

José Wille – Os médicos consideravam que a sua esperança de reação seria pequena. No entanto, sua recuperação foi surpreendente.

Ivo Mezzadri – Deus foi muito bondoso comigo – acho até que bondoso demais! E todo o esforço que nós tivemos, oxalá que tantos outros tenham também! É um privilégio ganhar esses 14 anos de vida trabalhando, dirigindo, lendo, mesmo com todas as sequelas que ficaram.

José Wille – Quanto tempo o senhor levou para poder voltar ao trabalho?

Ivo Mezzadri – Mais ou menos quatro anos.

José Wille – Mesmo depois desse fato, o senhor voltou para a direção do CEFET por mais um tempo?

Ivo Mezzadri – Exatamente. Voltei para a direção do CEFET pelas mais diversas razões possíveis. Fiquei, mais ou menos, 5 ou 6 meses, cumprindo o tempo de aposentadoria, que vencia no dia 10 de janeiro de 1984. No dia 17 de janeiro, entreguei o cargo para o meu vice-diretor, que era o professor Athaíde Moacir  Ferraza. Depois de lá, já existia um namoro com a Federação das Indústrias e o Senai, onde estou até hoje.

José Wille – Como exemplo para quem enfrenta situações semelhantes: o que lhe dava forças? Como o senhor conseguiu reagir, tendo esse esforço todo para recuperar os movimentos e a fala?

Ivo Mezzadri – É difícil dizer, mas um dos grandes fatores foi a própria família. E a minha condição orgânica me permitiu isso. E, digamos assim, Deus foi muito bondoso comigo. Provavelmente, tinha uma saúde boa. E tudo isso facilitou. Na opinião do médico que me acompanhava, o fato de não fumar foi um dos fatores fundamentais, porque a medicação tinha um tipo de reação em mim que não teria em uma pessoa que tivesse esse vício. Um dos fatores foi esse.

José Wille – Quando o cérebro é atingido, a pessoa tem que, praticamente, reaprender a fazer as coisas mais simples.

Ivo Mezzadri – Sim. O médico, ainda no hospital, me disse “Você vai aprender tudo de novo”. E, de fato, aprende-se tudo novamente, de forma diferente. Muito mais rápido, mas se aprende tudo de novo.

José Wille – Inclusive a própria fala.

Ivo Mezzadri – Inclusive a própria fala, porque, no começo, eu não ficava em pé e não falava. Reaprendi com muita fonoaudiologia, com muitas atividades paramédicas, que foram sendo dispensadas com o tempo. E até hoje faço natação.

José Wille – Sobre a responsabilidade do estado na questão da violência: se uma pessoa foge de uma penitenciária, isto é responsabilidade de um órgão, que não está cumprindo os seus deveres.

Ivo Mezzadri – Quanto a este fator, a minha família, na época, não fez absolutamente nada. Obviamente, só queriam a volta do pai ou do marido. E foi um parente meu que nos motivou a entrar com uma ação contra o estado. Isto é, o tostão contra o milhão.

José Wille – Uma ação para responsabilizar o estado, que deveria ter a responsabilidade sobre estes presos?

Ivo Mezzadri – O dr. Júlio Militão é o advogado do nosso caso. Inicialmente, entramos na Justiça em uma das varas e perdemos. Judicialmente, fomos ao Tribunal e ganhamos. Recorreu o estado e ganhamos novamente. Agora, está no Supremo Tribunal Federal e cabe ao estado recorrer novamente. Então, na verdade eu já ganhei moralmente, mas judicial ou profissionalmente, na atividade advocatícia, dá-se continuidade. Mas entenda-se que eu já estou satisfeito. Há fatores assim. O meu filho mais velho, na época, ficou duas semanas sem falar. Então, quem vai pagar por isso? Com a ação de psicólogos e médicos, ele voltou ao normal. E o que ficou na cabeça dos meus filhos pequenos, que tinham na época 10 anos e 12 anos? Que sequelas nós tivemos na vida, na família?

José Wille – É um caminho justo buscar essa responsabilidade, o que mostra, inclusive, a demora da Justiça brasileira para resolver casos assim.

Ivo Mezzadri – Exatamente. Eu tive o privilégio de ser uma pessoa aquinhoada neste caso, mas quantos outros não tiveram esta condição?

José Wille – Já se vão mais de 10 anos sem, ainda, um desfecho final para a ação?

Ivo Mezzadri – Claro, 14 anos! Você tem, normalmente, 5 anos para entrar na Justiça e o fiz dentro deste período. Já se passaram 14 e eu não vi resultado prático nenhum ainda.

José Wille – Mas o senhor considera que seja um ato de cidadania a cobrança da responsabilidade governamental?

Ivo Mezzadri – Claro! A cidadania deve ser exercida.

José Wille – Superado este trauma, o senhor pôde voltar a trabalhar e teve a possibilidade de encaminhar 4 filhos pequenos para o ensino, para a educação superior e teve ainda a sorte de poder acompanhar seu crescimento.

Ivo Mezzadri – Exatamente. O meu filho mais velho é arquiteto e professor na Federal e na Católica. Naquela época, estava iniciando a faculdade, no primeiro ano. A minha filha Suzana é designer pela Federal e tem escritório próprio. Naquela época, estava fazendo o segundo grau. O Danilo era do Quarteto Brasilis, já fez mestrado nos Estados Unidos, em Michigan, e agora está fazendo doutorado. Meu quarto filho, hoje com 24 anos, está fazendo o terceiro grau de Engenharia Mecânica. Então, todos eles estão bem encaminhados neste particular. Minha esposa, com aulas junto à Faculdade de Educação Musical e suas atividades de musicoterapia, é o patrimônio maior que tenho.

José Wille – E o senhor pôde retornar à sua atividade principal, que era a educação. E, mais tarde, dedicou-se também ao Instituto Euvaldo Lodi, trabalhando com jovens estagiários.

Ivo Mezzadri – Exatamente! Como digo, entrei em um barco no qual eu sabia remar. Os estágios são parte das atividades do Instituto Euvaldo Lodi, pelos quais é mais conhecido, mas desenvolvemos uma gama muito grande de outras atividades e projetos. Dentre eles, as incubadoras, todo o programa de bolsa de trabalho, bolsa de estudo, todo o programa de pós-graduação lato sensu, com várias universidades, além da Comissão de Integração Universidade-Empresa. O sistema da Federação das Indústrias tem um pé significativo no Instituto Euvaldo Lodi para “n” ações que este procura desenvolver, catalisando as empresas para o sistema.

José Wille – O senhor deve ficar satisfeito cada vez que passa em frente ao CEFET, observando o que é hoje o Centro, com todos aqueles prédios, sabendo da colaboração que pôde dar.

Ivo Mezzadri – Não deixa de ser uma satisfação para mim e para toda a equipe que trabalhou naquela época, que continuou trabalhando posteriormente e trabalha até hoje. E Deus queira que o CEFET continue nesta caminhada, com o Paulo entregando o bastão para outro e fazendo essa corrida do facho. É uma instituição que dá muito orgulho aos paranaenses, de maneira geral.

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Redação Paraná em Fotos

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